Prefácio
“Alguém escreveu que se Francisco Martins Sarmento tivesse nascido na Inglaterra, teria sido Arthur Evans.
Efectivamente, o célebre arqueólogo inglês realizou trabalhos de pesquisa arqueológicos na Grécia, mais propriamente em Creta, que o imortalizaram, pois conseguiu desmistificar a história grega que muitos julgavam ser resultado de um «milagre», quando não passava de uma evolução lógica e cronológica da cultura micénica.
F. Martins Sarmento, na linha de um panceltismo aflorado nos fins do século passado e princípios deste, percorreu, passo a passo e com infinita paciência, todos os recantos deste rincão minhoto, na busca de vestígios do passado que lhe permitissem confirmar a identidade histórica e cultural desta região.
Caminha não escapou à curiosidade do sábio investigador.
E, como resultado deste trabalho exaustivo, aparentemente inglório, surgiu um corpo monumental de conhecimentos e de informações que, ainda hoje, nos deixa perplexos e nos leva a perguntar: mas como pôde ser tudo isto?
Há dois factores que muito contribuem para o êxito na investigação científica: tempo e dinheiro. Nem um, nem outro faltou a F. Martins Sarmento.
Filho e herdeiro de ricos proprietários vimaranenses, formado em direito, aos 22 anos, pela Universidade de Coimbra, poeta de fino quilate nos verdes anos da juventude, historiador, arqueólogo e etnólogo, tudo nele se conjugou para o fazer um devotado servidor da cultura.
F. Martins Sarmento pôde, deste modo, percorrer os quatro cantos do Minho, observando, lendo, ouvindo as pessoas, consultando os estudiosos, tomando notas, escrevendo as suas impressões e o resultado das suas pesquisas. Mas, sobretudo, legou-nos um espólio valiosíssimo que os vimaranenses guardam com devoção no museu que tem o seu nome.
Muitos dos castros, que hoje conhecemos, foram visitados por ele e de todos nos deixou algumas notas que, se não constituem um fundo documental completo para uma inventariação, servem-nos de base para uma primeira abordagem ao tema.
Grande parte do seu trabalho resumiu-se na identificação, pura e simples, desses povoados castrejos, apoiado na observação directa, na toponímia, na legendária e nos textos literários. Pesquisas de fundo e a expensas suas, só as fez na Citânia de Briteiros, no último quartel do século passado.
Na esteira de F. Martins Sarmento, outros arqueólogos se debruçaram sobre a cultura castreja, quer procedendo a escavações, quer de forma sistemática, para examinar elementos necessários ao estudo da morfologia e tipologia dos castros, quer analisando e interpretando os dados fornecidos pela prospecção arqueológica.
De entre eles, destacamos alguns que fizeram incidir os seus estudos sobre a cultura castreja no Alto Minho, como Abel Viana, Ten. Coronel Afonso do Paço, Félix Alves Pereira, F. Russel Cortez, Prof. Christopher Hawkes, etc.
Abel Viana foi, sem dúvida, o que mais trabalhou nesta região. Dirigiu escavações na Cividade de Âncora, em 1960, e na Citânia de Santa Luzia, em 1954.
Embora a sua atenção estivesse mais voltada para a citânia de Sanfins, onde procedeu a escavações com o P.e Eugénio Jallay, o Ten. Coronel Afonso do Paço deixou-nos algumas notas de grande interesse para o estudo da cultura castreja, nesta região.
Félix Alves Pereira, além de uma prospecção levada a efeito no castro de S. Gião de Ázere (Arcos de Valdevez) onde recolheu espólio significativo, forneceu-nos elementos preciosos que muito ajudam a compreender a evolução da casa castreja.
O nome do Prof. Christopher Hawkes anda ligado à Cividade de Âncora e ao castro do Coruto, em Afife.
Segundo afirma Abel Viana, foi o primeiro a realizar uma escavação cientifica na Cividade de Âncora, onde recolheu abundante espólio cerâmico que depositou no Museu Regional de Viana do Castelo. Nestas escavações, além de outros arqueólogos tomou parte José Rosa de Araújo que tem dedicado grande parte da sua vida ao estudo da região altominhota.
Nesta área da cultura castreja, torna-se difícil, senão impossível, falar ou escrever do Alto Minho sem incluir a Galiza, melhor, sem a colocar na base de todos os estudos que, ultimamente, se têm realizado na região galaico-portuguesa.
Efectivamente, mercê de um grupo dinâmico de arqueólogos galegos e dos apoios recebidos, quer de instituições culturais, quer do próprio Estado, têm-se realizado trabalhos de inventariação, de prospecção e de interpretação que muito contribuirão para a solução de inúmeros problemas que a cultura castreja oferece.
Dentre todos, sobressai a figura de J. Lopez Cuevillas que, à semelhança de F. Martins Sarmento, fez um trabalho de sapa, a todos os títulos meritório. Na escavação sistemática do castro de Cameixa, recolheu elementos estratigráficos que muito contribuíram para aclarar o problema da evolução da casa castreja.
O tema que nos propusemos abordar não é, de modo algum, o resultado de quaisquer investigações realizadas no terreno, mas sim o fruto de estudos feitos através de fontes escritas.
É certo que das numerosas visitas a povoados castrejos, da recolha, à flor da terra, de restos líticos e cerâmicos, da simples observação, resultam algumas impressões de índole pessoal. Contudo, para evitar assimetrias, procurou-se cotejar esse tipo de informações pelos autores consagrados.
Sabe-se que, actualmente, se torna difícil abordar temas de arqueologia, com base na simples informação livresca. Por outro lado, sabe-se também que a arqueologia de campo está reservada ao arqueólogo profissional.
Não obstante estes pressupostos, aparentemente impeditivos, ainda fica uma área bastante vasta e interessante, no campo da investigação, ao arqueólogo amador, qual é a de informar sobre tudo que possa ajudar o arqueólogo profissional nas suas investigações e o público, em geral, alertando-o para a defesa e preservação destes valores da cultura castreja.
Assim, o arqueólogo amador poderá proceder à inventariação de povoados castrejos, identificando todos os elementos que possam contribuir para o seu reconhecimento: a situação geográfica e topográfica, a área aproximada, a toponímia, o folclore, a tradição oral e escrita, etc.
Este trabalho de sapa, se for bem realizado, muito pode ajudar o arqueólogo profissional nas suas escavações futuras. E, sobretudo, contribui para uma consciencialização do povo em ordem à defesa do seu património cultural.”
Excertos
“OS CASTROS
Como já se disse, a cultura castreja tem como base o habitat castrejo com todas as implicações de ordem social, económica, técnica, política e religiosa. O que, porém, aflora à primeira vista, são os castros.
Os castros são mais numerosos à beira-mar e nas margens dos rios, talvez porque os seus habitantes, ao lado de uma agricultura rudimentar e da pastorícia, da recolha de peixe e de marisco, da guerrilha e do banditismo, pretendessem controlar estas vias de penetração para as fontes do metal, tão apreciado naquela época.
Quanto à localização temos, portanto, dois tipos: os situados à beira-mar e junto aos rios e os do interior. Os primeiros são todos muito semelhantes na sua estrutura, estando, geralmente, assentes num cabo ou numa pequena península e tendo assegurada a defesa por três lados. O quarto lado, aquele que o liga à terra, era defendido por um fosso cavado na terra ou na rocha.
Os castros apresentam planta circular, ovalada ou elíptica e nunca rectangular. A sua defesa é garantida por muralhas, fossos ou taludes. Adaptam-se, perfeitamente, à configuração do terreno, aproveitando, não raras vezes, as defesas naturais: rampas, penedias, socalcos, etc.
Geralmente, os castros situam-se à beira de um regato ou de um rio que, além de fornecerem água, servem de defesa natural.
Para se defenderem dos ventos do norte e aproveitarem ao máximo a luz solar, o eixo principal dos castros está orientado na direcção norte/sul.
Os nossos castros, embora defendidos por muralhas, raras vezes dispensam os taludes naturais ou artificiais. Parece que os recintos amuralhados se foram estreitando ante a iminência de uma invasão, sobretudo, romana. Assim, os recintos mais apertados serão os mais recentes.
Se existem castros com certa extensão, há outros relativamente pequenos.
Dos mais pequenos, uns exibem restos de moradias ou pedras soltas, restos de cerâmica, de ferro, etc., sinal evidente de que foram ocupados de forma permanente; outros, porém, situados em sítios mais altos, quase inacessíveis, não revelam quaisquer vestígios de povoamento. Que se terá passado com estes recintos castrejos? Parece que teriam sido locais de defesa, em momentos de ataque inimigo, onde os habitantes dos povoados circunvizinhos se refugiariam.
Um dos problemas que mais preocupações tem causado aos arqueólogos é, sem dúvida, a perduração dos castros.
Quando teriam começado e quando teriam terminado?
Alguns destes castros formaram-se e desenvolveram-se com a metalurgia do ferro; outros já vinham de tempos anteriores.
«O fundo cultural dos castros, escreve A. A. Mendes Correia, tem por características a rudeza, a simplicidade primitiva, a sobrevivência de formas arcaicas. Neles abunda, por exemplo, a cerâmica de fabrico indígena, de pasta grosseira, mal cozida, com motivos incisos simples e primitivos (…), de muitos espécimes de cerâmica eneolítica do País. Os castros portugueses serão, assim, num grande número de casos, não só originariamente pré-romanos, mas até pré-célticos.»
Mas se todos os arqueólogos concordam com a anterioridade de muitos castros em relação à metalurgia do ferro, nem todos estão de acordo quanto à sua sobrevivência após a conquista romana.
Estrabão admite que, ante a invasão dos romanos, os povos castrejos tivessem abandonado os povoados, rumo aos vales, entrando os castros em franca decadência.
Esta afirmação de Estrabão não se pode aceitar de forma absoluta.
Não há dúvida que os romanos eram duros para com os povos revoltosos. Mas eram brandos para com os submissos. E se os galaicos, no primeiro embate, se portaram com galhardia, resistindo até à morte, logo se submeteram, acabando por aceitar a civilização romana.
Parece que os castros mais pequenos entraram em franca decadência após a invasão dos romanos, ao passo que os de maior dimensão se revitalizaram, prevalecendo no Baixo Império e, até à invasão dos árabes, nalguns casos, como Santa Luzia.”
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