Prefácio
“A história da arte portuguesa será tanto melhor entendida quanto mais se clarificar o importante contributo dado, em vários momentos, pelas diversas escolas regionais. Como sucede em relação a outros sectores da história, os investigadores têm dedicado, nos últimos anos, uma atenção crescente a tal estudo. Nessa perspectiva, decidimos interrogar-nos acerca dos caminhos trilhados pela arte, e especialmente pela arquitectura, nos finais do século XVII e nas primeiras décadas do século XVIII, na província do Minho ou, mais concretamente, no espaço que então correspondia à arquidiocese de Braga e que teve na cidade desse nome e na de Viana os seus pólos mais activos. Braga era a cidade arquiepiscopal, a partir da qual os Arcebispos conduziam a vida religiosa do seu rebanho, estabelecendo regras, dando orientações, impondo obras e exercendo um eficaz mecenatismo. Viana, mercê da importância que adquiriu no desenrolar das guerras da Restauração, tornou-se o centro coordenador das acções militares do extremo norte de Portugal e, em sequência, da planificação e controle das obras públicas, realçando-se o papel insubstituível dos engenheiros militares, pela sua formação e superioridade técnica, referência obrigatória na edilícia civil e religiosa. Durante as guerras da Restauração (1640 – 1668), todos os esforços humanos e financeiros foram absorvidos pela defesa da integridade das fronteiras e, através delas, da independência do estado. A realização do tratado de paz com a Espanha, a seguir a um período em que tudo se faz para concluir as fortalezas inacabadas, para reparar os danos que as acções bélicas tinham causado e para actualizar os quartéis militares, permitirá que as atenções e os recursos económicos se disponibilizem para a execução de outros trabalhos, como os de regularização hidráulica ou de logística portuária. Os ânimos serão favoráveis à realização de obras que exprimem gratidão a Deus e aos Santos, celebram e desejam garantir o seu patrocínio ou criam as melhores condições de espaço para o sereno desenvolvimento da vida religiosa conventual. Reformam-se e constroem-se conventos, igrejas e capelas por toda a arquidiocese. Em casos excepcionais, as obras foram exigidas pelas alterações relacionadas com a construção ou o alargamento das fortificações, mas, em geral, foram requeridas quer pelo crescimento do número daqueles que, espontaneamente ou não, se sentiram impelidos a abraçar a vida religiosa, no caso dos conventos, quer pelo incremento das manifestações exteriores de piedade. A dupla vertente eclesiástica, de nível diocesano ou não, e civil, de ascendência militar – contribuirá para definir os caminhos seguidos pela arquitectura, no noroeste de Portugal, no ocaso do século XVII e nas primeiras décadas do século XVIII.”
Excertos
AS OBRAS DO PALACETE DO LARGO DE S. DOMINGOS, EM VIANA (MUSEU MUNICIPAL) Em 1724 Manuel Fernandes da Silva forneceu a planta para o palacete mandado construir pelo imediato colaborador do Arcebispo, o Cónego António Felgueira Lima, no Largo de S. Domingos, de Viana, onde hoje se encontra instalado o Museu Municipal. O primeiro contrato para a construção do palacete encomendado pelo Cónego António Felgueira Lima é de 28 de Dezembro de 1723 e nele se obrigavam os mestres pedreiros arrematantes da obra, os irmãos Jerónimo e Manuel de Oliveira, a dar por concluída a sua parte, pela importância de um conto e oitocentos mil reis, em Agosto do ano seguinte. Surgindo discrepâncias entre o Cónego António Felgueira Lima e os mestres pedreiros, o contrato anterior foi anulado por outro, datado de 14 de Março de 1724, para erecção “das mesmas casas na forma de huma nova planta”, pela importância de 1.322.373 reis. Um terceiro contrato, esclarecendo e rectificando o anterior, foi outorgado em 19 de Março de 1724, desta vez assinado pelo próprio encomendante, que outorgara os anteriores por procuração: o trabalho de pedraria passou a custar 1.454.217 reis. É através deste último contrato que ficamos a saber o nome do artista que delineou o edifício, o já referido mestre bracarense Manuel Fernandes da Silva. Com efeito, e tendo entre as testemunhas o Coronel Manuel Pinto Vilalobos, nele se diz que seriam enviados de Braga os novos apontamentos “feitos pelo mestre Manuel Fernandes que fabricou a planta”, sem esquecer que “não difere a fronteira da mesma obrigação e forma da planta primeira”. Este esclarecimento é suficiente para comprovar a influência de Manuel Pinto de Vilalobos no estilo deste edifício, a cuja construção, apesar de tudo, o vemos ligado desde o primeiro instante. A esta obra, com efeito, se refere um acórdão municipal, de 25 de Setembro de 1723, que concedeu uma pena de água para os consumos do palacete. E entre os presentes, que assinam o acórdão, em representação dos mestres ou do povo, encontra-se o mestre vianês, que nem antes nem depois desse dia volta a participar nas reuniões da Câmara. Além das três escrituras já mencionadas, outros actos notariais dizem respeito a esta obra: – Em 14 de Março de 1725, o Cónego Felgueira Lima, considerando que, confrontando do lado poente com a de Domingos Marinho, oficial maior da Vedoria Geral, e necessitando, com a autorização deste, de reforçar e tornar mais alta a parede meeira, declarava que ele e os seus herdeiros ficavam autorizados a servir-se da mesma parede e cunhal para levantar a sua casa, quando o desejasse. – O Reverendo Francisco Lopes, morador em casas situadas do lado nascente, mais baixas do que as que o Cónego está a construir, autoriza-o a fazer desse lado as janelas que precisar para ter mais luz na sua residência, sem qualquer outra paga, porquanto lhe devia muitas obrigações. – Em 6 de Julho de 1725, o fidalgo António Correia de Sá vende a Felgueira Lima umas casas térreas que tem “na entrada da Rua de S. Sebastião vindo de São Domingos”, que partiam “do poente com o heirado do chafariz de São Domingos”. A fachada principal do Museu, voltada para o largo de S. Domingos, tem um ar majestoso, que lhe advém do rigor das linhas e, ao mesmo tempo, dos vigorosos contrastes de luz e sombra; está dividida em seis panos, por uma platibanda cruzada por pilastras, em correspondência com a estrutura interna do edifício. As aberturas – portas e janelas – com molduras rectangulares no primeiro piso e frontões de linhas rectas no andar nobre, estão rematadas por falsas aduelas, de inspiração serliana, em correspondência com os “bozzati” ou almofadas no rodapé e nas pilastras. Na decoração, o palácio acusa a influência do vizinho edifício da Vedoria militar, cuja função de modelo, nesta parte, é aliás declarada no primeiro contrato com os mestres pedreiros, mas suplanta-o em perfeição e harmonia. A decoração das gárgulas coaduna-se com a experiência de um artista que na fachada principal de alguns templos bracarenses ensaiara imitações em granito da talha em madeira em voga na época e é característica do estilo que depois de Robert Smith se chama “barroco nacional”. A solução, pouco ortodoxa, para o conjunto da porta principal e duas janelas contíguas, estreitecidas estas para tornar mais larga a primeira, encontra paralelo noutras obras executadas por Manuel Fernandes da Silva na cidade de Braga. Na rectaguarda, o edifício possui, no rés-do-chão, uma arcada assente em pilares de secção quadrangular, e, no segundo piso, uma airosa varanda de colunas toscanas. No ângulo nordeste, saindo para fora, localiza-se a pequena capela, benzida em 3 de Dezembro de 1726, pelo próprio Arcebispo D. Rodrigo de Moura Teles. Em 22 de Outubro de 1726, D. Rodrigo passara uma provisão que autorizava o Cónego Felgueira Lima a ter um oratório na sua casa, e que nele se celebrasse missa e outros ofícios divinos, e dava poderes ao pároco de Monserrate para proceder à sua bênção. o Arcebispo resolveu, no entanto, premiar a dedicação do seu colaborador, procedendo ele mesmo à bênção da capela, no dia 3 de Dezembro de 1726, como consta da certidão assinada pelo pároco de Monserrate, em 12 de Janeiro de 1727. O edifício sofreu alterações no decorrer do tempo. Entre elas conta-se o desaparecimento dos “mezaninos” que existiam entre o rés-do-chão e o andar nobre, do lado norte, dos quais apenas um subsiste, com a entrada a meio das escadas, assim como o anexo, com comunicação através de um trecho de corredor, que foi acrescentado ao conjunto, para servir de cozinha, possivelmente depois de algum dos incêndios que vitimaram o palacete. É através dessa área que se faz a comunicação com a ala nova do Museu Municipal, concluída para 1993, segundo um projecto elaborado pelo arquitecto Luís Teles. Na segunda metade do século XIX, foi-lhe acrescentada uma balaustrada sobre a cornija da frente meridional, tendo-se colocado, sobre os plintos que separavam os vários tramos, quatro esculturas em terracota, executadas numa oficina parisiense (está lá a assinatura GOSSIN F.rss, PARIS, não obstante na literatura local, incluindo os escritos de Luís de Figueiredo da Guerra, se dizer que foram encomendadas a uma oficina portuense), das quais duas, representando guerreiros de diferentes épocas (um romano e outro quinhentista) em diferente estado de conservação, ainda existem no Museu.”
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