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Cinco Motes para um Memorial – Separata do tomo 16 dos Cadernos Vianenses

São cinco breves estórias: a primeira fala-nos de um jovem traquina e sonhador, dos seus tempos de catequese; na segunda, o autor recorda a sua partida para a Guiné, em 21 de Dezembro de 71; a terceira estória lembra a morte de um campanheiro de armas e ainda uma demonstração de cobarde coragem no assassínio de um mandinga; segue-se um rápido in memoriam a Alfredo Reguengo para, no último relato, nos deliciar com as suas emoções da madrugada de Abril.

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"Agosto de 49. Dia 17. Ainda a manhã se não anunciava e já minha mãe, pesada e em fim de tempo, atravessava o vau do Lima, no embarcadouro do Pinheiro, em Stª Marta de Portuzelo. Ia, com meu pai, carregar um carro com mato, em Mazarefes. O tempo esvaía-se, asinha, e o sol prometia já torresmos. No cocuruto, em contorções, pedia mais paveias. Urgia carregar rápido e ajudar o Luís. Mas as dores engordavam angústias pelo que apressou a descida e com uma tia minha, a Xica, rumou a casa. Era noitinha quando eu nasci. Depois percorri costumeiras veredas: fiz a Primária com o Professor Almeida Fernandes e a catequese com o Padre Albino; fui seminarista em Braga, empregado de escritório na Auto-Lima e na Viúva José de Sousa, funcionário no MDP; mandaram-me para a guerra onde fui enfermeiro e estive na Guiné, no Xime e em Mansambo; fiz filosófico-humanidades na Católica de Braga e, mais tarde, só Humanidades. Quis-me professor.
E cá estou, na Secundária de Monserrate, quase em fim de tempo também. Recordo a Secundária dos Arcos, a de Stª Maria Maior e a das Cavaquinhas, no Seixal ... onde colhi e semeei afectos. Coordeno a Edição do PROFORMA (Boletim do Centro de Formação Contínua de Viana do Castelo), a Associação de Cooperação com a Guiné-Bissau, a construção da BIVAM (Biblioteca Virtual do Alto-Minho) e, com a Lai, sou responsável pelo Secretariado Diocesano da Pastoral da Família (Viana). Tenho dois filhos e uma NETA, a Maria. Tenho muitos amigos. Sou feliz! "
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Excertos

5. – Era manhã do dia 25 de Abril de 1974. Não recordo do tempo. Devia estar bom porque eu estava feliz. O primeiro comboio da manhã rumava a Valença. Eu ia namorar e, como sempre, ia cedo, habituado aos horários da guerra de onde regressara havia 23 dias. Como os prazeres do encontro estavam marcados para depois do almoço, sentei-me no café Portugal, penso que assim se chamava, no interior da cidadela, disposto a ler um livro e a ouvir um pouco de música. Seriam umas nove horas e trinta minutos. Mais ou menos. A TV estava ligada e o locutor falava do meu país. Espera lá! Que diz ele? Que houve um golpe de estado? Onde? Olha, em Portugal! Mas eu não vi! Nem ouvi! Não pode ser verdade! Espera! É a TV espanhola! E era verdade. Sim senhor. E havia imagens. E gritos de euforia. O dono do café sorria. Amarelo. Esse ainda o recordo. Eu perplexei-me. Rio ou não? E se isto é mentira e o dono do café é da PIDE? Paguei a cerveja e saí. A vila estava nervosa. Entrei noutro café. As informações repentinavam-se. A pouco e pouco íamos perdendo o medo de perguntar. E os rádios avolumavam as notícias. Que tudo começara à meia-noite com o Zeca a cantar a Grândola, Vila Morena. Que o Salgueiro Maia prendera o Tomás e o Marcelo. Que. Não. Não prendera. Ia prender. Eram quase 12 horas. Desatei a percorrer todas as ruas da velha urbe. Ia feliz. Começava a não ter mesmo medo. E chorava. Alguém me perguntou se precisava de ajuda. Não. Obrigado. Agora já não. Agora já posso brincar no adro. Pode brincar onde? No adro? Sim. Ah, desculpe. É que houve uma revolução. A senhora afastou-se a desditar-me e eu continuei a responder-lhe. Agora já posso brincar no adro. E o meu pai já pode ler todos os murros escritos nos muros. E o Reguengo já pode falar. E o mandinga pode descansar na paz dos oceanos. E o coronel já pode ir para o raio que o parta. E o medo é uma merda. Agora já não tenho medo.

E continuei a chorar. E lembrei a cidade de magia do sonho do ruço de màpêlo.

E fui namorar. Que para isso tinha ido a Valença.

E a revolução? Seguiria dentro de minutos!

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