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Cronogramas

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"Agosto de 49. Dia 17. Ainda a manhã se não anunciava e já minha mãe, pesada e em fim de tempo, atravessava o vau do Lima, no embarcadouro do Pinheiro, em Stª Marta de Portuzelo. Ia, com meu pai, carregar um carro com mato, em Mazarefes. O tempo esvaía-se, asinha, e o sol prometia já torresmos. No cocuruto, em contorções, pedia mais paveias. Urgia carregar rápido e ajudar o Luís. Mas as dores engordavam angústias pelo que apressou a descida e com uma tia minha, a Xica, rumou a casa. Era noitinha quando eu nasci. Depois percorri costumeiras veredas: fiz a Primária com o Professor Almeida Fernandes e a catequese com o Padre Albino; fui seminarista em Braga, empregado de escritório na Auto-Lima e na Viúva José de Sousa, funcionário no MDP; mandaram-me para a guerra onde fui enfermeiro e estive na Guiné, no Xime e em Mansambo; fiz filosófico-humanidades na Católica de Braga e, mais tarde, só Humanidades. Quis-me professor.
E cá estou, na Secundária de Monserrate, quase em fim de tempo também. Recordo a Secundária dos Arcos, a de Stª Maria Maior e a das Cavaquinhas, no Seixal ... onde colhi e semeei afectos. Coordeno a Edição do PROFORMA (Boletim do Centro de Formação Contínua de Viana do Castelo), a Associação de Cooperação com a Guiné-Bissau, a construção da BIVAM (Biblioteca Virtual do Alto-Minho) e, com a Lai, sou responsável pelo Secretariado Diocesano da Pastoral da Família (Viana). Tenho dois filhos e uma NETA, a Maria. Tenho muitos amigos. Sou feliz! "
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972-97195-0-0

Capa

Ilustração

Linhas de Leitura

Entre uma espécie de introdução (antes de…) e um remate (depois de…)o corpo do livro inclui 53 textos servidos por ilustrações de Armando Abreu a iniciarem cada uma das suas sete partes: Senhor de Cronos; Imensa é a frustração; vamos rir; oh deus!; amor ao ocaso; fácil voar e re-mar adentro.

O tema da primeira sequência de textos é sempre o tempo que umas vezes o autor chama de ‘tempo’, outras de ‘cronos’ e o vai medindo ora através dos relógios orts das clepsidras. É um tempo irrecuperável, bem ao gosto dos clássicos, e por isso ao poeta apetece quebrar os relógios

Se eu pudesse
mandava quebrar todos os relógios
e decretava que o tempo parasse

e as clepsidras

Mas espero-te além das Horas
onde nos amaremos
quebradas todas as clepsidras

na mais ancestral ânsia de se tornar dono e senhor absoluto do Tempo. Em imensa é a frustração, Carvalhido da Ponte fala das (des)ilusões do momento, do vazio e do caos, do Nada e do Zero, da desordem social e da dúvida religiosa. Eis porque, se pudesse, quebraria os relógios. Mas há sempre esperança no sujeito lírico

posterior a tudo
e antes do fim
procuro em mim
Orfeu quase mudo
a esperança que trago

O livro termina com uma “bela série de poemas sobre a história nacional”, no dizer de Alberto Abreu (A Poesia Vianense no último quartel do século XX)

Excertos

Antes de …

Antes de Cronos partiram-se todos os espelhos. E foi o Princípio. De então para cá o Homem tem buscado, aqui e ali, bocados da sua memória numa sobrevivente necessidade de encontrar o seu passado colectivo. Para ser feliz. Para construir um futuro, mais feliz ainda, no plural dos indivíduos.

Um dia, quando todos os pedaços coloridos do nosso painel-memória forem saboreados e entendermos a sua relação, voltará a totalizar-se o espelho. Na banda de lá, na outra margem do mosaico, na margem da ilusão ( ou do real?!) ver-nos-emos. Todos. Inteiros. Iniciais. No plural do espelho partido acharemos a nossa individualidade. Nas sementes do passado perceberemos as raízes do futuro. Só então nos encontraremos. E seremos felizes. Porque seremos. Narcisos de uma e outra banda. Deuses. (1988)

SENHOR DE CRONOS

Foge, irrecuperável, o tempo.
Eu fico.
Ficarei.
Aqui.
Mas espero-te além das Horas
onde nos amaremos
quebradas todas as clepsidras.

Depois do cio
serás sémen
depois do sémen poesia
e contigo dominarei,
senhor de cronos.
(1988)

SEI-ME

Sei-me
no recordar dos tempos que foram
no reler das históprias conjubtas
no reamar das horas sozinhas.

Sei-me
como quem se lê
nas palavras devassadas
do onanismo colectivo.

Sei-me no fecundar das ideias Todas
no orgasmo das imagens tutelares
na cópula infecunda das minhas dissertações.

Sei-me.
(1987)

SE EU PUDESSE

Se eu pudesse
mandava quebrar todos os relógios
e decretava que o tempo parasse
e os homens fossem
sem que tivessem de ser
no impossível instante.

Se eu pudesse
proibia as margens
anulava os condicionais
e os ses e os mas e os todavias
e tudo
e mandava que castradores não castrassem
e os policiais não policiassem.

Se eu pudesse
havia de não Poder
e de não Proibir
e de não Decretar
e de não Mandar.

Se eu pudesse
havia só de Viver.
(1988)

OS DEUSES NOS DERAM UM PERCURSO

Os deuses nos deram, um percurso,
este,
que, sozinhos ou de mãos dadas
( se possível de mãos dadas),
importa percorrer.

Os deuses nos deram o veneno de um percurso,
este,
que disseram livre,
entre margens e condições.
Assim nos contentaram
e se contentaram de haverem criado
imagens e semelhanças das suas sombras prescritas.

Os deuses nos deram, um percurso,
este,
com a proscrita mensagem
de, por ele, chegarmos a leles.

E se nós os buscamos
quando nos buscamos!

Caminhemos, pois, se esse é o fado,
mas tão só nós, inteiros,
nunca cordeiros de sacrifício.
Cumpramos o percurso que tem de cumprir-se,
fitos os olhos na eterna fluidez do momento!
– Não nos deram o futuro e já perdemos o passado.
Só o agora vale, o já.
Tudo o resto é devir.
(1994)

RE-MAR ADENTRO

Já nos contaram todas as histórias
e falaram de todos os poetas
e até nos embebedaram
com licores de Ásias e Calecutes.

Já nos disseram todos os exércitos
e mostraram todas as guerras ganhas
e cruzes e padrões levantados
para que Deus e o Rei
fossem adorados
por gentes tantas e estranhas.

Mas não re-contaram.

Urge re-dizer velhas ladainhas.
importa re-tomar caminhos
de novo ignaros.

Urge re-mar adentro de
e re-conquistar!
(1988)

DEPOIS DE …

Vimos do nada, não! Vimos
de outro, de outros. Somos
nós e os que connosco são. E
somos também, os que
foram. Também, não: acima
de tudo. Desde o primeiro
‘big-bang’ o artista nos vem
moldando

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