Excertos
EM ABRIL
Em Abril
foi como se fosse
em Santa Luzia,
o monte,
manhã de claro sol
e bonançoso mar.
O ar estava despoluído,
o horizonte ilimitado
e o verde,
o verde nem azeitona
nem esmeralda,
o verde das árvores,
das relvas
e das águas,
era cântico profundo
de liberdade.
Em Abril,
foi como se fosse
incessantemente Abril,
como se fosse
na pátria dos homens
e das mulheres
que, serradas as amarras,
ousavam o futuro.
ATÉ QUANDO A PRIMAVERA?
Vieste!
Suave e cristalina,
alvorecera Abril
as flores a abrir,
a abrir,
uma,
mil
os pássaros ensaiando,
ensaiando…
até quando?
até quando?
BAIRRO CLANDESTINO
Bairro clandestino,
bairro de menino
magricelas,
a chapinhar
nos charcos nauseabundos
do destino.
Bairro
sem saneamento,
fedorento,
com os ratos
a sair dos buracos
e a fome a dobrar cada esquina.
Bairro
de faca na meia,
de copo no bucho,
de porrada a fartar.
Bairro
de incomodar!
TEMPO QUE NÃO PASSA
Às vezes
são os casebres
miseráveis
do tempo miserável
e o tempo não passa!
e o tempo não passa!
às vezes são os rostos
esquálidos
das crianças
famintas
e o tempo não passa!
e o tempo não passa!
às vezes
é somente o desespero
dos milhões de queimados
em napalm.
AQUI À TUA ESPERA
estou aqui
sentado
à tua espera
tanto infinito
lavrado
à minha frente
não vai tardar
que venha
a Primavera
e o hálito das rosas
que na aragem
se pressente
estou aqui
sentado
à tua espera
e sei que a vida
é um tempo
que pouco dura
olho estes prados
outrora verdejantes
– e palmo a palmo
semeio-os de ternura.
ENQUANTO RESPIRO
Enquanto respiro,
as papoilas crescem
entre os campos
de trigo,
vermelhas de coragem;
enquanto respiro,
um veio de água
irrompe
cristalino
da nascente
e aventura-se
pela vertente da montanha,
curioso
e destemido;
enquanto respiro,
a esperança reacende-se
nos mais recônditos
lugares
e sob as povoações
bombardeadas,
um catraio distraído
masca serenamente
um chiclete.
CADA UM DE NÓS
Cada um de nós
é só um grão de areia,
o fumo de um cigarro,
a rosa desfolhada.
Mas ferve-nos o sangue,
de veia para veia
e aspiramos sempre
erguer a madrugada.
QUASE
Quase um anjo
descendo
dos teus cabelos.
Quase a vida
em novelos
de estremecidos ahs!!!
Quase o teu corpo
suado
nos abraços
…e a outra dimensão.
ESBOÇO
Devagar,esboço
o teu perfil,
onde a penumbra
não ilude a claridade.
A cada traço,
o traço mais viril,
fiel à expressão
da água quando arde.
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