Prefácio
Qualquer livro sobre viagens desperta em nós a curiosidade porque a sua leitura é uma oportunidade para acompanhar o autor pelos locais visitados. Evidentemente que viajar pelo subconsciente será uma proposta aliciante.
Este é o desafio que Porfírio Pereira da Silva nos apresenta no seu novo livro Existências – Viagens do Subconsciente que agora aparece.
O subconsciente é o que somos escondidos, o espaço da arrumação do que não queremos ser. É o espaço do repouso, do silêncio, da avestruz que também somos e nos permite estar com tranquilidade na afirmação do eu. E porque é o espaço da arrumação do que não se quer, as coisas ficam aí em desordem porque a desordem é a sua natureza e, por isso, nunca lá penetramos, a menos que haja necessidade de trazer alguma coisa para se manifestar. E no que somos de ordem dificilmente aparece a desordem que também somos e que nos identifica. O eu que forçamos ser a par de rejeições atiradas para um não-eu que pretendemos colocar lateralmente, desiderato permanente para a afirmação de uma personalidade que se pretende controlada, bem moldada, resplandecente aos outros.
Por isso, o que somos é não só o que de nós aparece mas também o que se esconde, as circunstâncias em que estamos e as de fuga. Ao fim e ao cabo, nós somos a resultante de todas as fugas que de nós fazemos, arrumações diversas atiradas para o subconsciente, deixando apenas aquilo que queremos que seja manifestado. A verdadeira identidade de cada um é o que é e o que não deixa ser, a tensão permanente entre a manifestação e o seu desejo. O eu é a ordem e a desordem que trazemos e a consciência disso, atingido em pleno quando fazemos viagens à desarrumação para buscarmos outras coisas que também somos.
É isto o que Porfírio nos mostra nesta obra.
Poeta por natureza, a atenção às coisas, aos outros e a si permite-lhe fazer uma fácil viagem a esse espaço que todos somos, mas que nem sempre temos a coragem ou o saber para lá chegar. Porque não é fácil aceitar sermos a rejeição consciente de nós. É necessário ser-se consciente, isto é, ter a evidência da identidade do eu, que por sê-lo, é absoluto e totalidade. Só a alienação nos coloca fora de nós e o autor pretende isso mesmo demonstrar neste livro.
Não se trata de um estudo de psicanálise. É antes a consciência dessa psicanálise. É a consciência da evidência, da totalidade do eu, afirmação da identidade.
Partindo de circunstâncias concretas, o autor leva-nos, pela mão da palavra fácil e precisa, partindo do seu subconsciente, até à manifestação do subconsciente colectivo, o espaço do esquecimento onde depositamos os outros, a relação não querida com os demais, as questões e os problemas para os quais devemos buscar soluções e de que sempre fugimos.
É o real, o absoluto que brota em cada texto e em cada página sente-se o ruído do mundo, eu e os outros e a conexão de ligações intersubjectivas tranquilamente adiadas para se viver no sossego sedativo de quem não tem coragem para enfrentar. O apelo à sua interioridade, numa confusão do sonho com a realidade, vai provocando no leitor a consciência da sua inconsciência, desenhando o drama da inconsistência do sujeito-em-situação, valendo-se, por vezes, de consciências reveladas, conduzindo-nos ao grito, à descompressão, forma mutilada de tomar consciência desta identidade que somos e que dificilmente colocamos frente a nós.
Confusão aparente entre o sonho e a realidade. Porque os sonhos nada mais são que a realidade do outro lado, posta à margem, desinteressante para o eu. E é necessário caminhar para o outro lado para que este em que estamos habitualmente seja melhor. “Que bom seria que os arquitectos das bases sólidas, quando pensassem alterar a linha do horizonte, não o fizessem de terra para terra, mas de mar para terra”.
As palavras desta obra colocam-nos como se estivéssemos a barbear-nos, a fazer a maquilhagem. Ficamos atentos a nós e tomamos precauções para não nos desfigurarmos. Por vezes há o risco de nos magoarmos e se a incisão chega a acontecer,ou fugimos a tempo para a inconsciência ou se destrói a anamnese a que o inconsciente nos levou. Em qualquer caso, respiramos fundo quando terminamos a leitura e perante nós, nós mesmos nos afrontamos.
É assim este livro de Porfírio Silva. Prenhe de sentidos, de apelos e de propostas. É uma provocação constante de múltiplas interrogações, é um agradável desassossego interior permanente até ao encontro de qualquer coisa de nós que não se pode negar. Leva-nos o autor até ao limite e aí nos deixa ficar para decidirmos. “Atravessei a cortina de neblina e faço o resto do percurso montado num elefante. Este percurso era íngreme e terminava numa outra cortina, mas de fumo. No ar pairava o cheiro a incenso. Não me lembro de mais nada!”
O resto pertence ao leitor. E cada leitura é sempre um pretexto para evocar
Agostinho Pereira
Outros
Contra capa
O poeta voa em círculos sobre os espaços em que vive, põe em causa a sua ordem. Como não gosta do que vê, avança corajoso, embora com alguns medos, para dar àq sociedade outro sentido mais justo e equilibrado. Aliás, a escolha da palavra “Excelsior”, para intitular o seu livro, diz-nos quase tudo. Excelsior vem de excelso, que significa “muito alto, ilustre, sublime, magnificente”.
Ele não canta o seu sentir, o amor por alguém, a sua visão única de procura de felicidade.
O poeta tem um sentir “político”, não se sente feliz sendo feliz sozinho. Não é egoísta, egocêntrico, como quase todos os poetas, ele canta o sonho de um melhor para todos.
Sem “fronteiras, barreiras, fasquias”, vocábulos que utiliza.
Em relação a outra poesia que conheço do Porfírio, desta vez o poeta deixou Viana e rompeu horizontes…
Fina d’ Armada
(Poetisa e escritora)
Excertos
Apesar da vida agitada que levo e das motivações que se me deparam para o materialismo, não consigo desprender-me do meu espírito rebelde às leis da sociedade e às teias desse mesmo materialismo.Geneticamente pareço estar preparado para seguir um trilho diferente do comum, obrigando-me a um confronto constante de ideias com a sociedade, da qual faço parte.
O que me impressiona ainda mais é o facto de que, quando se establece esse confronto de ideias,sonho sempre com a posição de padre pregador e nunca de cidadão comum, bem falante.
Numa dessas noites, desprendi-me da minha condição presente e assumi a liderança de uma comunidade de contornos indefinidos, face à indefinição dos próprios rostos dos paroquianos.Era padre! Disso não tinha a menor dúvida. A meio da noite, acordei e desci ao escritório para registar algumas das palavras que proferia, dada a expectativa dos que me ouviam: “Aquilo que penso, digo e escrevo, nada vale, dado o envólucro não se moldar ao protótipo dos outros … precisava de renascer corporalmente, para que aquilo que penso , digo e escrevo tivesse valor, apesar do espírito ser o mesmo.Vivo num mundo em que as moedas têm valor pelo brilho, mesmo quando não passam de patacos.”
Voltei para a cama e, naquela noite, não consegui adormecer mais!
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