Excertos
“2 AO SERVIÇO DE FILIPE I
Observador atento da evolução dos acontecimentos, já na segunda carta enviada de Almeirim às religiosas de Pesaro (15 de Janeiro de 1580) indicava como pretendente de maiores possibilidades à coroa portuguesa o monarca espanhol. Terzi alude concretamente às hipóteses de Alexandre Farnese, filho do Príncipe de Parma: “dicono che conviene per ragione ma la forzae comodità del Re Filippo lo disturbarà, per quello che si vede” (referia-se, de modo claro, ao poderio militar de D. Filipe e à acçãocorruptora do su agente, D. Cristóvão de Moura).
Filipe II de Espanha, que fizera já ocupar o novo reino pelas suas tropas, conduzidas pelo duque de Alba, D. Alvaro de Toledo, preparava-se pra entrar em Portugal e tomar solenemente posse da coroa. DEvido à peste que grassava em Lisboa, estabeleceu residência inicialmente em Abrantes, aonde Terzi foi chamado para arranjar o palácio a tal fim destinado, e convocou as cortes para Tomar, onde se reuniram a 16 de Abril de 1581 no Castelo da Ordem de Cristo. Um dos cavaleiros que acompanhavam D. Filipe I, Isidro Velasquez, deixou-nos este testemunho ocular sobre as obras de adaptação efectuadas por Terzi: “El patio principal, aposento de S. M., está por acabar; su primeiro fundamento é bueno y ben obrado… Neste pátio referido, donde se hizo el edicto, havia un sítio grande, destechado y mal compuesto, que, reparado, se hizo uma compartida pieça de tan ayrosa proporcion que a todos ojos agradava. Y aunque se acaba de la obra e traça que ahora lleva, non le hará su mas artifício de mas agradable viso, que el que le prestó el remiendo”. D. Filipe fixou depois a data da sua entrada em Lisboa em 31 de Maio, adiando-a, a seguir, para 29 de Junho. Encarregou Filippo Terzi de fazer obras no Palácio Real de Lisboa, sobranceiro ao Tejo, para aí residir, assim como de apoiar as gentes de Lisboa na preparação das ornamentações festivas destinadas à solene recepção a fazer ao monarca.
em 13 de Junho, o rei, depois de visitar Santarém, Almeirim, SAlvaterra e Vila Franca, parou em Almada, ao sul do TEjo, em frente a Lisboa. Após o almoço, com poucos membros da sua comitiva, atravessou, incógnito, o rio, numa galera, para visitar as obras do palácio, no qual demorou três horas, ficando agradavelmente impressionado com a rapidez dos trabalhos e a clássica beleza do seu estilo “per la differenza che vi si é trovato dalle cose barbare” e expressamente com a elegância da nova escadaria em caracol (chiocciola) “da loro mai piu vedute”.
A partir desse dia torna-se íntimo do monarca (“praticando come io faccio nei ristretti de S. Maestà”, como diz, em carta de 5 de DEzembro, ao Duque de Urbino, para o qual se interessa junto do rei por obter a ordem do Tosão). Acompanha D. Cristóvão de Moura a SAcavém, em 2 de DEzembro de 1581, deslocação de que não indica afinalidade. Dirige em 1582 as obras de instalação, no Palácio Real, da oficina de ourivesaria que fabricará as insígnias da Ordem do Tosão de Ouro e intervém no desenho do colar que o Rei d’Armas trará nas solenidades. Em data incerta, de qualquer modo parece que em 1582, informava o Duique de Urbino de que não acabara ainda as obras do Palácio Real, mas que estava prestes a concluir acapela e, mais do que isso, ” já se tinha dado início a maiores obras, que em todas as fortalezas de Portugal se puseram as mãos, e nas de África, Ceuta, Tânger, Arzila e Mazagão”.
A 2 de DEzembro de 1582 roga ao Conde Giovanni De Tomasi, conselheiro do Duque de Urbino, que lhe obtenha de Simão Baroccio (irmão docélebre pintor de igual apelido) um novo estojo de desenho, já que perdera o anterior, na ocasião em que esteve preso na Berberia. Na mesma carta refere-se Às sepulturas de D. SEbastião e D. Henrique em BElém, nessa mesma semana (o que nos induz a atribuir-lhe o risco do mausoléu), e ao arranjo da sala maior do Palácio Real, para a realização das cortes em que seria jurado principe herdeiro D. Diego.
Em Maio de 1583 encontrava-se em Coimbra, para examinar a ponte sobre o MOndego, assim como os mosteiros de S. fRancisco e Santa Clara, que estavam a ser soterrados pelas areias e frequentemente sofriam com as cheias do MOndego. A 23 de Outubro do mesmo ano é-lhe feita a mercê, por uma só vez, de 300 reis.
Inicia-se então um ciclo de obras relativas ao convento de Cristo, em Tomar. Por carta régia de 22 de Janeiro de 1584 é nomeado “mestre das obras do convento da vila de Tomar” com o mesmo vencimento e regalias de seus antecessores nesta função, “com declaração que quando no dito convento ouver obras correntes, será elle frei Felipe Terci obrigado a residir na dita villa e, não as avendo, vesitará as obras cada ano por três vezes”. A designação de “frei” mostra que já na altura havia sido admitido na ordem de CRisto.
Esteve doente em fins de Novembro de 1586, princípios de Dezembro, mas ainda nessa altura se congratula por D. Filipe ternomeado o seu irmão Ludovico engenheiro do Reino de Nápoles.
O Cardeal REgente concedera-lhe 200 ducados do Mestrado da Ordem de CRisto e mais lhe dará, informa o próprio Terzi, “finito che averó l’impresa qui che sua Maestá m’incaricó, la quale per l’anno che viene spero sarà finita”. De viagem a Tomar em missão de trabalho falam algumas das suas cartas: 1587, 1592.
Ninguém hesita em atribuir a Terzi a construção do aqueduto dos Pegões Altos destinado a abastecer de água o convento, mas a obra principal de Terzi foi a construção de pelo menos uma grande parte do “claustro régio” do convento, cujo contrato Sousa Viterbo transcreveu na íntegra. Da leitura do contrato resulta muito claro que a obra traçada e acompanhada por Filippo Terzi foi o andar superior do claustro, o fontenário e as escadas, e que os empreiteiros se comprometeram a fazê-la com a maior brevidade possível “na maneira e conforme a traça e debuxo della e ordem que pera isso lhes será dada por Delippe Tercio mestre dellas”. Terzi, com uma mestria admirável, obedeceu ao ritmo imposto pelas linhas do andar inferior mas organizou de modo diverso os vários elementos, introduzindo novas divisões e contrapontos e dotando assim o conjunto de uma grande leveza e elegância.
Em 1587 inicia-se também a correspondência de Terzi com D Teotónio de Bragança, sucessor do Cardeal D. Henrique na diocese de Évora e fundador da CArtuxa, cujos trabalhos por então se iniciaram e d eviam estar muito avançados em 1598, quando os primeiros religiosos, vindos da CAtalunha, entraram no Mosteiro. A obra, porém, será da autoria não de TErzi mas de Fra Vicenzio Casali, religioso servita florentino que em 1587 veio de Nápoles a Madrid com a missão oficial de apresentar e explicar a Filipe II vários projectos de fortificações, sendo retido pelo monarca e encarregado da erecção do forte da Cabeça Seca, na foz do Tejo e, a seguir, de outras obras, vindo a morrer em Coimbra, em 1596, com 54 anos de idade. Esta ocupação de Casali, na obra de defesa do TEjo, faz supor que Terzi não se podia dela ocupar, naturalmente porque absorvido por obra mais importante, que não seria outra que a do claustro régio de Tomar.
A Terzi não faltava consciência do seu valor como artista, nem amor e dedicação À arte, pela qual, viúvo desde há muito, menosprezou, segundo o seu próprio testemunho, várias possibilidades de bonscasamentos. Amor à arte significava mestria e auto-confiança, das quais dá testemunho, com uma ponta de vaidade, numa carta ao Duque de Urbino: “mi posi nell’animo fim dal primo momento ch’io giunsi qui di non pigliare impresa sopra di me di ch’io non fossi ben certo e sicuro di porla in fine e di saperla fare, di modo che giuro a V. S. non aver cosa in mia coscienza di pentimento; chè di tutte le cose fatte, se di novo le avessi a fare, non uscirei dal medesimo ordine. E gran credito acquistai qui in far fare tant’opere senza aver a mutar cosa, nè picciola nè grande, di quello ch’io ordinai la prima volta. E come questo regno non era uso a cosi acertare dagli passati, maravigliansi”.
Deste modo Terzi não podia estar senão nas boas graças de D. Filipe.A mesma carta refere uma ocorrência que testemunha o apreço do monarca e as repercussões que a demonstração pública de tal apreço veio a ter no conceito geral: “S. M. quando venne a pigliare il possesso di questo regno, e che dopi di aver accompagnata la Imperatrice nelle sue stanze qui del Palazzo, e tornando S. M. alle sue, acompagnato da quella sorta di Corte che V. S. può considerare, quando fu per entrare nella camera dove si perma tutta la Corte, e ritrovandomi in fila, feci riverentia con gli altri, dove S. M. si fremò, dicendomi che molto bene io avevo mostrato il valore e l’abilità che per fama teneva, e che teneria conto del servizio ch’io gli avevo fatto, si dela proportione dell’opera come della diligenza, e comandò ch’io intrasse dentro com seco, dove andò per dentro da Palazzo, vedendo l’altre cose fatte fare da me, che non aveva veduto, lodandole e satisfacendosi. Tutti i signori de’ tituli d’Italia e di Spagna accompagnavano S. M. quando mi lodò in publico, come ne può dar di ciò conto per uno Don Pietro de’ Medici e Andrea Doria. La qual cosa stimai cosi come fu da altri considerata, e da quest’azione in poi non ebbi mai porta serrata per andare dal Re e da’ Cavalieri della Camera. E da’ aiutanti di essa e da portieri e guardie fui sempre conoscuito, usando sempre per la mia parte modi e maniere che gli augumentasse il buon animo a tutti, Dio lodato”.
O prestígio de que goza e a fortuna que vai amealhando não o fazem esquecer a pátria de origem, para a qual envia dinheiro destinado a adquirir propriedades, a ajudar o filho, através do qual faz uma oferta de porcelanas ao bem-amado Duque de Urbino. Serve de intermediário ao Conde de Portugal, mordomo-mor do reino, par a encomenda de um quadro ao pintor Federigo Barocci, que não logrou ver satisfeita.”
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