Prefácio
“0- AS FONTES
As fontes fundamentais de que nos servimos, para a elaboração deste estudo, consistem em relações de liberais ou de pessoas que aderiram à Carta Constitucional. São documentos que fazem parte do fundo do Arquivo do Governo Civil de Viana do Castelo que neste momento está em fase de tratamento arquivístico, motivo por que os identificamos com uma numeração que é, naturalmente, provisória.
As listas de sofredores, coordenadas, inicialmente, pela Sub-Prefeitura de Ponte de Lima, foram remetidas para o Governo Civil em virtude da criação deste órgão em 1835, data em que foi extinto o sistema de divisão administrativa baseado nas Prefeituras.
A partir do rol feito pelos concelhos aqui tratados, foi elaborado um “caderno” onde só constam os casos considerados mais graves e mais sofredores, identificado por «Rellação das pessoas constitucionais (…) que se tornarão indigentes em razão da Usurpação e da assoladora guerra em que lutarão, ou as pessoas que representão para recuperar os seus foros e restos (…)». Por razões de espaço, pareceu-nos mais aconselhável não publicar os documentos estudados, motivo por que só divulgamos os nomes, actividades profissionais e penas sofridas, estruturados por localidades, e que estão sintetizados no quadro 3.
Foi a partir desta análise que pudemos conhecer os indicadores sócio-profissionais e a conduta política dos homens do Alto Minho que lutaram pela modernidade, para os quais o miguelismo gizou um plano de sofreamento constante e profundamente acutilante, destruindo lares que se viram desprovidos dos seus bens e de elementos familiares.”
Excertos
“4- REPRESSÃO MIGUELISTA
A Carta Régia de 14 de Julho de 1828 é o instrumento “legal” para processar e julgar os que estiveram implicados na “insurreição do Porto” e criou “devassas” para, pela denúncia, serem identificados e perseguidos os que aderiram à Carta Constitucional ou denotavam o simples desejo de aceitarem a ideia de liberdade. Entre os milhares de emigrantes em Inglaterra, encontravam-se (desde) oficiais superiores, a sargentos, praças do exército, desembargadores, juizes de fora, médicos, boticários, intelectuais, advogados, cónegos, sacerdotes e frades das ordens religiosas. Não faltavam pessoas nobres, proprietários e funcionários públicos. Em todos os grupos sócio-profissionais encontramos apoiantes da Carta Constitucional e defensores do liberalismo.
A revolta contra o governo “usurpador” surgiu em Aveiro e, de imediato, eclodiu no Porto, à qual aderiram, no Norte: Viana, Ponte de Lima, Valença, Braga, Chaves e Vila Real, além de outras localidades das Ilhas. Constituído que foi o governo liberal, sediou-se na Terceira.
O simples facto de se questionar a existência de suspeita de simpatia pelo movimento liberal, ou de aceitação da Carta Constitucional, transformava qualquer cidadão num alvo cuja apetência era estimulada pela “raiva” que brotava em todos os retractores da modernidade.
A firme adesão à Carta ou à rainha D. Maria II levou à prisão de muitos portugueses e, consequentemente, à morte de um bom número. Destaque-se, no termo de Viana, o escrivão do geral, José Maurício de Azevedo, casado com Teresa Maria Vieira de Sá, que, após a passagem por várias cadeias, foi morto à entrada de Lamego pela escolta miguelista. Para a família ficou a paupérrima situação financeira que a conduziu à mendicidade.
Casos houve que evoluíram de forma a originar a destruição de todos os bens e mesmo do estado físico e mental dos presos, adquirindo doenças fatais, como aconteceu a Manuel dos Santos Pereira que sucumbiu depois de liberto pelas tropas de D. Pedro. Os exemplos de falecimentos provocados pela prisão política são variadíssimos. Vejamos alguns: Manuel José Salgado, mestre de embarcação, Francisco Brandão, que exercia funções de fiscal do tabaco; João Pereira Tamanqueiro, cabo de veteranos. O Tenente Coronel José Pires Sarmento, Governador do Castelo de Viana, após ter sido encarcerado em várias cadeias, pereceu em Almeida.
A dispersão e a mobilidade a que eram submetidos os “presos políticos”, a repressão exercida sobre os familiares, a inexistência de comunicação entre os liberais homiziados ou presos e a perseguição a que as famílias eram sujeitas, constituem o quadro psicológico de terror dominante. Para agravar o panorama, seguia-se o saque e sequestro dos bens dos cartistas, esgotando-se, num processo de “morte lenta” e muito dolorosa, todos os recursos financeiros das famílias que caíam nas garras do miguelismo.
Este panorama era idêntico ao que se via pelo país e não fugiram à regra os vários concelhos da Ribeira-Lima.
Em Ponte da Barca sublinhamos as situações por que passou José Manuel Gonçalves, negociante natural de Vila Chã, São João Baptista, após ter “andado” por várias cadeias, encontrou-se, com a sua liberdade em 1834, numa situação financeira denegrida, sendo registado como “muito necessitado”. Dona Maria Ferreira de Matos, natural de Vade, São Tomé, – cujo pai, um proprietário que «vivia na ley de nobreza», foi preso conjuntamente com um filho, falecendo ambos na cadeia – ficou reduzida ao estado de indigência. O negociante António José Rodrigues, natural de Ponte da Barca, depois de ver saqueados os respectivos bens, foi encarcerado, perdeu o negócio e ficou sem meios de sobrevivência.
Para Ponte de Lima destacamos o negociante António Marques Guimarães a quem uma parte dos seus haveres foi extorquida pelas guerrilhas miguelistas e outra confiscada pelo governo usurpador. Com uma loja que estava avaliada como uma das melhores de Ponte de Lima, e uma casa bem recheada, acabou na maior indigência, vivendo da beneficência de amigos. João José da Cunha é o exemplo paradigmático do boticário que esteve homiziado e a quem a própria roupa de vestir roubaram. Os empréstimos, para satisfazer as exigências dos sangue-sugas que actuavam nas cadeias, ultrapassavam as capacidades financeiras dos presos. Paradigmática também é a situação de Francisco José Barbosa Carapola que, depois de o obrigarem a gastar todos os bens que possuía e lhe terem morto o filho, «ficou empenhado» e sem meios para pagar os empréstimos.
Estes esforços financeiros vemo-los ainda na família de Francisco José dos Santos, boticário de Ponte de Lima, que foi degredado para Cabo Verde. A mãe, depois de gastar todos os rendimentos que possuía, fez empréstimos avultados por causa da perseguição que lhe foi movida, falecendo com a filha em estado de miséria.
Maria Teresa Vale Funfum e a filha estiveram presas três vezes e foram obrigadas a gastar todos os haveres, acabando em estado de pobreza.
Os Arcos de Valdevez estão aqui representados por indivíduos que perderam a vida. Outras localidades como as freguesias de São Julião de Freixo, Gaifar e Vitorino das Donas, também surgem registadas como sofredoras.”
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