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O Medo da Peste em Viana da Foz do Lima no século XVI – Separata da Revista
Este ensaio histórico, após uma breve panorâmica da situação económica e social de Viana do século XVI, faz uma abordagem aos surtos de peste que afectaram esta região e aos comportamentos individuais e colectivos que provocaram.
Numa cidade aberta ao comércio marítimo(Norte da Europa, França, Inglaterra, Galiza, ilhas atlânticas e, mais tarde Brasil), o transporte por esta via foi visto como um dos transmissor de doenças (o outro sendo os “maus ares” ou castigos divinos). Viana teve de se preparar criando hospitais, “casas de degredo” e outros locais de isolamento, contratando pessoal (médicos, boticários, …) e impondo limitações à entrada de barcos suspeitos.
Excertos
“Para o cientista hodierno a natureza da peste não apresenta qualquer segredo. Depois das investigações de Pasteur e das descobertas de Fleming nem as suas causas nem a sua terpêutica oferecem problemas. Não foi assim no séc. XVI. De facto, quer as classes dirigentes e mentoras quer o povo professavam ideias hoje irrisórias e desusadas. A propósito recordemos que o clero recorria a explicações de índole sobrenatural, isto é considerava as pestes como castigos da divindade. Nos púlpitos e nas cátedras fazia-se a ligação às dez pragas do Egipto, ao dilúvio ou mesmo ao cavaleiro do Apocalipse. A classe intelectual da época, encabeçada pelos «físicos» e cientistas, que, nessa altura, encetavam novos rumos para as ciências com base nos métodos da observação e da experimentação, não estavam longe das explanações míticas e astrológicas da Antiguidade e da Idade Média. Era frequente ouvir-se falar em «chuva de flechas incendiárias provindas de um cometa desconhecido», ou em «ares pútridos nascidos do seio da terra» ou mesmo em fogo descido das estrelas.
Em Viana fomos encontrar estas duas concepções. Na verdade é frequente encontrar-se nas Actas da Câmara expressões como esta, reveladora da intervenção divina no decorrer da história dos homens: «… a pestilência de que Deus nos livre».
Em 1549 (Março, 16) «o povo desta villa fez escritos em que puseram muitos nomes de santos dentro de um saco e tiraram à sorte um nome para ser nosso advogado e padroeiro ante Nosso Senhor e assim nos guarde deste mal». A sorte recaiu em Sant’Ana, prometendo a Vila realizar procissão solene todos os anos. (…)
Igualmente fomos descobrir em Viana vestígios da concepção piro-astronómica das pestes, certamente veiculada pelos médicos reais e do município. Em 1577, a respeito da peste surgida em S. Pedro de Varais (Caminha) diz-se no Livro de Acordãos desse ano (Junho, 15): «… fleguesia onde hos dias passados dera novamente pancada do mal da peste». Em 1574 é enviado a Ponte de Lima o médico municipal Simão da Rocha a fim de certificar da existência de «ares ruins» nessa vila. A resposta foi a seguinte: «por ora nom avia causa pra rumor darem da dita villa». Passados três anos é proibida a venda de bacalhau verde pelo facto «dos quais baqualhaus sairem roins vapores e fedia muyto do que se podia regestar roins ares e contágios». Os ares ruins geradores de peste estavam ligados à falta de higiene, às lixeiras e imundícies. É proibida a criação de porcos pelas padeiras e a existência de porcas parideiras dentro da Vila «por fazerem mal às crianças e darem ares roins».
Na segunda metade de quinhentos o conceito de contágio estava bem claro na mente dos vianenses. Termos como impedido, impedimento, degredo, quarentena atestam este facto. A terapêutica da cura baseava-se no isolamento. Era frequente ouvir-se falar em ruas e casas atrancadas, passagens interrompidas e vigilância aturada. (pág. 142 a 144)
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