Excertos
UM MENINO DOENTE
Fui um menino doente. E a febre era tanta
Que o doutor Laureano franzia a sobrancelha:
A mão cruel da angina a apertar-me a garganta,
O sarampo a embrulhar-me numa manta vermelha.
Minha mãe, num constante, aflito sobressalto,
Sentava-se ao meu lado. Eu queixava-me. E só
Me sentia melhor ao ouvi-la ler alto
Um livro milagroso a que chamava o Só.
E eu sonhava, pra noiva, uma purinha assim;
Um estranho algibebe a talhar-me o caixão.
Porque certa velhinha, pelas noites sem fim,
Me buscava e eu ia, como foi meu irmão.
O apelo do vento, na vidraça, lembrava
Esses dois cavaleiros de que eu era o menino
A correr pelo mundo ( e minha mãe chorava!),
À procura de mim com calma e sem destino.
Mas, depois, vinha o sono («O João dorme!»). Então
Eu ficava quieto. E nada me doía.
– Mãe, por me leres o Só, com o teu coração,
Minoraste os meus males! Mas, em compensação,
Fizeste-me, pra sempre, doente da poesia!
CERTO NATAL
Meu Pai, certo Natal, levou-me às Ursulinas,
Para a Missa do Galo.
O vento, violento, zunia nas esquinas.
Que frio, Santo Deus! Eu tremo ao recordá-lo!
E o céu também estava trémulo de estrelas.
Sob as névoas do incenso e da respiração,
Toda a igreja tremia no tremular das velas.
E os joelhos gelavam-me, na humidade do chão.
As mãos postas doíam-me, no roxo das ftieiras.
A meu corpo era todo um arrepio.
Mas, no presépio armado, com carinho de freiras,
O menino sorria, nuzinho, a tanto frio.
E, pouco a pouco, o canto, a liturgia,
Faziam-me esquecer o tempo agreste e a dor.
E crescia em redor um calor de alegria,
De paz, esperança, fé, amor…
E ao descer a montanha, onde a geada
Desenrolava já a alvura do lençol,
Eu trazia, no peito, a alma agasalhada
E o coração a arder como o ardor do Sol.
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