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O Senhor de Si

Numa das últimas páginas deste livro podemos aceder à “tábua do poemas”, um índice com os títulos dos 21 poemas, que foram escritos no período compreendido entre os finais de 1990 (Outubro) e inícios de 1991 (Abril).

Na leitura dos títulos é perceptível a carga pessoal e intimista dos poemas, denotando-se um possível percurso de crescimento pessoal, marcado pela presença e memórias das suas origens.

Mas seguindo a curiosidade provocada pela leitura inicial da “Tábua de Versos” mergulha-se no texto poético do autor, que neste livro tem uma marca claramente autobiográfica:

*   A irmã Adelaide Couto Viana a quem é dedicada a obra,…

*   as memórias do seu nascimento na casa que “oscilou como um barco no mar/…/ E, entre as rezas e ais, comecei a chorar. (p.7),

*   as memórias da infância,…

*   … as gotas de sangue, que marcam o desaparecimento de familiares… a primeira quando tinha cinco anos (Avô),… um amigo do Liceu (Trancredo, p.14)

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Conheça o autor

"António Manuel Couto Viana nasceu em Viana do Castelo a 24 de Janeiro de 1923, filho de um ilustre minhoto e de uma asturiana, e morreu em Lisboa a 8 de Junho de 2010. Poeta, dramaturgo, contista, ensaísta, memorialista, tradutor, gastrólogo e autor de livros para crianças, foi também empresário teatral, director artístico, encenador e actor. Publicou meia centena de livrops de poesia e cerca de oitenta títulos de outros géneros literários. Dirigiu e encenou durante três décadas mais de duzentos espectáculos de teatro infanto-juvenil, de teatro para adultos, de ópera e opereta. Obteve, tanto pela sua obra poética e literária como pela actividade artística, numerosos prémios. Dirigiu, com David Mourão-Ferreira e Luís de Macedo, as folhas de poesia de Távola Redonda (1950/1954) e foi director da revista de cultura Graal (1956/1957). Participou em alguns filmes portugueses e estrangeiros, em dezenas de peças para a televisão e teve vários programas culturais na RTP e na Rádio. De 1986 a 1988, viveu em Macau, onde exerceu funções docentes no Instituto Cultural. Fez parte, até à sua morte, da Comissão de Leitura para a Educação e Bolsas, da Fundação Calouste Gulbenkian. A sua poesia está traduzida em espanhol, inglês, francês, alemão, russo e chinês."
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ISBN

972-599-028-5

Ilustração

Excertos

UM MENINO DOENTE

Fui um menino doente. E a febre era tanta
Que o doutor Laureano franzia a sobrancelha:
A mão cruel da angina a apertar-me a garganta,
O sarampo a embrulhar-me numa manta vermelha.

Minha mãe, num constante, aflito sobressalto,
Sentava-se ao meu lado. Eu queixava-me. E só
Me sentia melhor ao ouvi-la ler alto
Um livro milagroso a que chamava o Só.

E eu sonhava, pra noiva, uma purinha assim;
Um estranho algibebe a talhar-me o caixão.
Porque certa velhinha, pelas noites sem fim,
Me buscava e eu ia, como foi meu irmão.

O apelo do vento, na vidraça, lembrava
Esses dois cavaleiros de que eu era o menino
A correr pelo mundo ( e minha mãe chorava!),
À procura de mim com calma e sem destino.

Mas, depois, vinha o sono («O João dorme!»). Então
Eu ficava quieto. E nada me doía.
– Mãe, por me leres o Só, com o teu coração,
Minoraste os meus males! Mas, em compensação,
Fizeste-me, pra sempre, doente da poesia!

CERTO NATAL

Meu Pai, certo Natal, levou-me às Ursulinas,
Para a Missa do Galo.
O vento, violento, zunia nas esquinas.
Que frio, Santo Deus! Eu tremo ao recordá-lo!

E o céu também estava trémulo de estrelas.
Sob as névoas do incenso e da respiração,
Toda a igreja tremia no tremular das velas.
E os joelhos gelavam-me, na humidade do chão.

As mãos postas doíam-me, no roxo das ftieiras.
A meu corpo era todo um arrepio.
Mas, no presépio armado, com carinho de freiras,
O menino sorria, nuzinho, a tanto frio.

E, pouco a pouco, o canto, a liturgia,
Faziam-me esquecer o tempo agreste e a dor.
E crescia em redor um calor de alegria,
De paz, esperança, fé, amor…

E ao descer a montanha, onde a geada
Desenrolava já a alvura do lençol,
Eu trazia, no peito, a alma agasalhada
E o coração a arder como o ardor do Sol.

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