Prefácio
“Porquê uma exposição dos Santos Padroeiros das paróquias do concelho de Caminha, nas comemorações do sétimo centenário da concessão do Foral, por D. Dinis?
Esta pergunta desperta uma avalanche de problemas e de curiosidades, para os quais a resposta nem sempre se torna fácil.
Antes de mais, surge a pertinência de uma pergunta, muito legítima, aliás, do nascimento das paróquias como unidades religiosas, económicas, sociais e culturais.
Muito se tem escrito sobre este tema, embora nem sempre os autores estejam plenamente de acordo.
Em primeiro lugar, convém frisar que as paróquias, na sua origem primitiva, não apareceram por mercê dum decreto episcopal, mas foram surgindo à medida que as necessidades apostólicas assim o determinavam.
Antes do século IV, dificilmente se poderá falar de paróquias. As poucas igrejas que existiam nas cidades eram episcopais. No caso de alguma igreja se criar na cidade ou na periferia, por mercê da expansão do cristianismo, era directamente administrada pelo bispo, ou por um clérigo seu delegado, mas sempre com a igreja episcopal por mãe, para administração de sacramentos.
As paróquias surgem quando o cristianismo extravasa a cidade e se estende pelos campos. Então, porque a distância se torna grande e os meios de transporte reduzidos e incómodos, é que o bispo se vê obrigado a criar igrejas próprias, para assistir espiritualmente os cristãos daquelas localidades, nomeando um clérigo para o representar.
Assim, as primeiras paróquias nascem nos meios rurais, antes de se difundirem pelas cidades.
Estas paróquias rurais podiam ter assento em vários aglomerados populacionais que já vinham do tempo dos romanos e, até, de tempos mais antigos.
Imbart de La Tour (LES ORIGINES RELIGIEUSES DE LA FRANCE. LES PAROISES RURALES DU V AU XI SIÈCLE, Paris, 1900, págs. 36 e 37), considera quatro tipos de povoamento, nos quais teriam surgido as paróquias rurais:1- Num «vicus» ou num «castrum», fundado pelo bispo e os habitantes; 2- Em território da Igreja, pelo bispo; 3- Num domínio (vicus ou villa), por um grande proprietário, clérigo ou leigo; 4- Num terreno deserto, pelos monges.
É esta, aliás, a tese de Mons. Miguel de Oliveira (PARÓQUIAS RURAIS PORTUGUESAS, Lisboa 1950, e o próprio Pierre David – ÉTUDES HISTORIQUES SUR LA GALICE ET LE PORTUGAL, pág. 7 e segs.), em que chamam a atenção para o carácter particular das igrejas paroquiais e das igrejas privadas. «As primeiras são para um distrito o que é a catedral para o conjunto da diocese. São centros jurídicos e hierárquicos do ministério pastoral, em que os fiéis recebem a iniciação cristã e os sacramentos. Possuem baptistério e cemitério. O clero que as serve depende do bispo, representa-o, participa dos seus poderes de ordem e jurisdição (…) À roda da igreja mãe, catedral ou paroquial, erguem-se ordinariamente basílicas ou oratórios dedicados a um santo; o grupo catedral ou paroquial compreende, além da igreja matriz, um baptistério, muitas vezes uma igreja cemiterial e basílicas ou oratórios».
E Pierre David, que tratou o problema como ninguém, sobretudo, para esta região do noroeste, continua: «Nos povoados rurais que não têm igreja paroquial, constroem-se basílicas e oratórios sob a invocação de um santo, com relíquias. São os proprietários das «villas», dos «fundi», que criam e os dotam por devoção própria e para as necessidades religiosas dos seus camponeses e artistas (…) Alguns povoados que não fazem parte de propriedades particulares, arranjam também oratório seu, dotam-no e asseguram-lhe, nas mesmas condições, o serviço religioso e a sustentação. A maior parte destes oratórios das aldeias tornar-se-ão, muito mais tarde, igrejas paroquiais; é essa a origem de grande número das nossas paróquias actuais.
Quando surgiram estas paróquias na Galiza e no norte de Portugal?
A primeira referência a paróquias rurais, na Península Ibérica, talvez a encontremos no Concílio de Elvira, celebrado nos fins do século III, no qual se regista a presença de representantes de mais de cinquenta povoações, sendo vinte episcopais e dezanove paroquiais, pelo menos, têm um presbítero à sua frente (José Farina Jamardo, LA PAROQUIA RURAL EN GALICIA, Madrid, 1975, págs. 20-21). No que respeita à Galiza, apenas se conhecem três comunidades representadas, uma episcopal – Leon – e duas rurais.
No Concílio de Braga (572), recomenda-se aos bispos a obrigação que têm de visitar frequentemente as paróquias rurais.
Mas o documento que melhor denuncia a organização paroquial nesta região do noroeste (Portugal e Galiza), é o PAROCHIALE suevo ou a Divisio Theidemiri, elaborado no ano de 569. (Pierre David, ob. cit., pág. 19 e segs.).
O rei Teodomiro manda reunir os bispos do seu reino, em Lugo, para tratar da fé católica e dos negócios da Igreja. Para isso, envia uma carta aos bispos, alegando que as dioceses são pouco numerosas para um território tão vasto, sobretudo, após a sua conversão ao cristianismo, seguida de uma multidão enorme de pessoas. Os bispos decidem que se estabeleça, ao lado de Braga, a metropolita de Lugo, criando novas dioceses e repartindo as paróquias por elas. Assim, o reino suevo passa a contar treze dioceses.
Por este célebre documento ficamos a saber não só o número de dioceses, mas também o número das paróquias que coube a cada uma. Para quem não está muito virado para a toponímia este documento pode induzir em erro.
É este documento que nos indica a dependência de toda esta região, compreendida entre os rios Lima e Minho, da Sé de Tui, que se vai manter até ao século XV. É também através dele que conhecemos a existência de algumas freguesias rurais, actualmente enquadradas na diocese de Viana do Castelo. É claro que à volta dos nomes dessas paróquias, de difícil identificação, a não ser a de OVINIA (actual Vinha de Areosa), anda muita fantasia, procurando cada qual identificá-los com a sua própria terra.
Durante o período visigótico, o número de paróquias aumentou de maneira acentuada, limitando-se, muitas vezes, os «presores da reconquista» a restaurá-las.
Porém, o maior número de paróquias rurais, nesta região, surgiu no período da reconquista.
«As paróquias suévicas e visigóticas, escreve Miguel de Oliveira, estendiam-se por largos territórios, abrangendo decerto povoados muito distantes; as modernas, adensada a rede, correspondem geralmente a uma «villa», ou pequeno agrupamento de casais. Não consta que as primeiras reconhecessem senhorio diverso da auctoridade eclesiástica, ao passo que a maior parte das segundas se encontra na dependência de padroeiros particulares».
Os «presores», geralmente cavaleiros, encarregados pelo rei de tomar as terras abandonadas pelos árabes, a fim de as cultivar e povoar, assumiam também o encargo de restaurar o culto cristão, certamente ainda presente na memória do povo que, não obstante a rarefacção populacional causada pela conquista árabe, continuou unido à volta da igreja e do cemitério, bem como do santo padroeiro que antes titulava a paróquia.
É certo que aos «presores» interessava mais a restauração da «villa», como unidade social e económica, vinda do tempo dos visigodos ou, quiçá, do tempo dos romanos. E, por isso, de imediato atribuíam às vilas o seu nome. Mas como o povo mantinha ainda a memória do Santo Padroeiro, talvez da igreja que já não existia, do cemitério que nunca abandonou e, sobretudo, da fé que os antepassados lhe legaram, os senhores da reconquista viram-se compelidos a edificar ou reedificar as igrejas para satisfazer as necessidades espirituais dos colonos, colocando à sua frente um presbítero que chamava aos fiéis «filli eclesiae» (fregueses) e à unidade social e religiosa instituída de novo, ou restaurada, freguesia. Por isso, este vocábulo «freguesia» entrou no uso popular, abandonando-se o de paróquia, de sua natureza, erudito.
Mais tarde, sobretudo a partir do século XI, em que a agricultura sofreu um grande impulso, o fenómeno de arroteamento, para ampliar as terras aráveis já existentes, ou para criar novos espaços económicos e sociais, origina as «villas novas», em contraposição às velhas vilas do período da reconquista que iam entroncar algumas delas nas primitivas vilas romanas que resistiram ao embate das invasões bárbaras (suévicas e visigodas).
Por aqui se vê o processo lento de formação das freguesias rurais, desde o século V ao século XI.
No que respeita ao concelho de Caminha, verifica-se que nem todas as freguesias apareceram ao mesmo tempo.
Embora haja autores que pretendem encontrar as origem da paróquia de Caminha antes do século VI, engendrando o vocábulo CAMENA na lista das quinze paróquias do PAROCHIALE, mas enquadrado na diocese de Lamego e com escrita e significados muito diferentes (CAMINOS), o certo é que o vocábulo «camina» não figura em documentos anteriores ao século X.
A paróquia de Caminha, ou então «igreja de Caminha» como era usual em documentos medievais, só aparece, com segurança, mencionada nas Inquirições de 1258.
As igrejas deste concelho, que nos aparecem em documentos mais antigos, são as de Vilar de Mouros (doação do couto de Vilar de Mouros com a respectiva igreja pelo rei D. Garcia ao bispo de Tui, D. Jorge, no ano de 1071); as igrejas de S. Pedro e S.ta Maria de Seixas, Santa Maria de Vilar de Ãncora e Santa Maria de Âncora que aparecem mencionadas na divisão das igrejas e arcediagados do bispado de Tui, feita entre o bispo e o cabido, no ano de 1156.
As outras (Lanhelas, Argela, Venade, Cristelo, Moledo, Gontinhães, Orbacém, Gondar), só aparecem nas Inquirições de 1258 como freguesias organizadas.
As de Azevedo e Vile eram simples ermidas, enquadradas na freguesia de S. Pedro de Varais. Ganharam autonomia, a partir dos meados do século XVII, quando Varais foi extinta.
Vilarelho, como se sabe, era um lugar da freguesia de Caminha. Só quando Caminha teve igreja própria, a partir do século XVI, é que ficou independente.
As três Argas (Arga de Cima, Arga de Baixo e Arga de S. João) só ganharam personalidade jurídica, quando o mosteiro de S. João foi extinto, talvez a partir do século XV.
Quanto a Dém, como se sabe é a mais moderna de todas, sendo fundada por Decreto Lei nº 48.590 de 26 de Dezembro de 1968.
O estudo dos santos padroeiros foi muito bem feito por Pierre David (ETUDES HISTORIQUES SUR LA GALICE ET LE PORTUGAL du VI.e au XI.e siècle, Paris, 1947).
Este ilustre professor da universidade de Coimbra serviu-se da hagiotoponímia para provar a inconsistência das teses que militavam a favor do ermamento estabelecido, segundo os cronicons, na região Entre Douro e Minho, a partir da primeira investida da reconquista, feita por Afonso I de Leão.
Até ao século VII, as igrejas paroquiais e catedrais não possuíam santo titular ou padroeiro. Só as igrejas privadas e as basílicas, fundadas com o fim de prestar culto especial a um mártir, procuravam adquirir as suas relíquias, estabelecendo esse santo titular da respectiva igreja.
A partir do século VII, todas as igrejas procuram estabelecer um santo padroeiro.
Os primeiros padroeiros são o Divino Salvador e Santa Maria, Mãe de Deus, pela conotação que tinha com a Igreja, considerada mãe dos cristãos.
Depois, vinham os mártires, a não ser S. Martinho de Tours que assumiu o título de muitas igrejas, sem ser mártir, talvez pela difusão do seu culto espalhado na Espanha pelo seu discípulo S. Martinho de Dume, bispo de Braga.
Quer dizer que, quando os árabes conquistaram a Espanha, já todas as igrejas tinham um santo padroeiro.
Pierre David, confrontando os santos padroeiros resultantes do restauro do culto cristão, após a reconquista, com os santos titulares constantes de inscrições cristãs dos séculos VI e VII, verificou que coincidiam, levando-o a concluir: «A vida pôde ser profundamente perturbada, quer pelas invasões, razias e algaradas dos muçulmanos, quer pela política defensiva dos reis asturianos. Puderam desaparecer os quadros administrativos e militares entre Tejo e Minho; ratificou-se a população e muitas terras ficaram incultas. Permaneceu, todavia, na terra um elemento de continuidade, conservador das antigas tradições, como em todas as épocas de vida retardada. Esse elemento manteve-se em redor dos antigos centros paroquiais, das igrejas, dos mosteiros, embora caídos em ruína (…) O repovoamento pela auctoridade régia criou novos quadros administrativos, estabeleceu novos senhorios da terra, instalou uma cadeia de auctoridades sobrepostas. Trouxe novos colonos, novos elementos de população rural. Mas esses quadros novos não se estabeleciam em regiões privadas de todos os elos sociais; tinham ali ficado quadros religiosos, ainda discerníveis à superfície, marcados ao centro, se não à periferia, pela igreja e pelo cemitério». (ob. cit., pág. 254)
Estas unidades sociais que ainda hoje persistem, não obstante os elementos de desagregação que se vão infiltrando nas instituições, sempre tiveram como centro a igreja paroquial e o padroeiro que, anualmente, se festeja com a obrigação de dia festivo de guarda.
Ainda que, no século passado, uma onda de laicismo tentasse arrancar ao nome das freguesias o adjuntivo do titular, ele ainda persiste e não há outra solução se não mencionar, antes ou depois, o nome do santo, para distinguir aquela freguesia doutra similar.
Na Idade Média, em qualquer documento, nunca vem o nome da freguesia sem ser precedido do nome do titular, ou padroeiro.
Encarando, agora, o caso específico do Padroeiros do Concelho de Caminha, verificamos que existe uma gama muito bem equilibrada de titulares:
Divino Salvador (Gondar); Santa Maria (Caminha, Riba de Âncora – Lage, Vilarelho e Arga de Baixo), S. Miguel, um dos padroeiros mais antigos (Azevedo), S. João Baptista (Arga de S. João), S. Martinho (Lanhelas), S. Pedro (Seixas, Varais), S.ta Eulália (V. de Mouros, Venade, Orbacém), S. Paio (Moledo), S. Tiago (Cristelo), S. Sebastião (Vile), S.to Antão (Arga de Cima), Santa Marinha (Argela, Gontinhães), S. Gonçalo (Dém).
Nos padroeiros de Caminha não se notam grandes alterações, no decorrer do tempo.
O único padroeiro que perdeu o título, com a extinção da freguesia, foi S. Pedro de Varais, pois nem Vile, nem Azevedo, antigos lugares de Varais, o adoptaram como padroeiro.
Um outro facto curioso está na freguesia de Seixas, em que nos aparecem dois padroeiros – Santa Marta e São Pedro – na repartição dos benefícios entre o bispo de Tui e o seu cabido, no ano de 1156.
De resto, como é óbvio, alguns padroeiros já pouco significado possuem na devoção popular. Alguns já nem são festejados, outros foram ultrapassados por outros mais novos, ou com maior devoção perante o povo, como sucede com S. Bento de Seixas que, de longe, tem mais devoção que S. Pedro; S.ta Rita de Caminha que suplantou a Senhora da Assunção, embora a sua festa se realize no dia da padroeira; Senhora da Bonança, em Vila Praia de Âncora (Gontinhães), em relação a Santa Marinha; S.ra de Guadalupe, em Riba de Âncora, em relação à Senhora da Assunção; Senhora do Rosário em Orbacém em relação a Santa Eulália, que até já nem sai na procissão.
Destes padroeiros, os que oferecem algumas dúvidas quanto à sua existência histórica, são S.ta Eulália e Santa Marinha. Os outros são de origem ocidental e, por isso, bem identificados.
A Mártir que mais dificuldades oferece quanto à sua identificação é Santa Marinha.
De origem oriental (nasceu em Antioquia, na Síria), cedo o seu culto apareceu no Ocidente, talvez antes dos mártires da igreja latina.
Isso explica-se se considerarmos que , desde os primeiros tempos da organização legal da Igreja, se ergueram basílicas e igrejas particulares às quais presidia um mártir, cujas relíquias repousavam nela. E como no Ocidente era proibido fragmentar os corpos dos mártires, os cristãos, ao instituir essas igrejas, procuravam as relíquias no Oriente.
Santa Marinha aparece-nos nesta região em três versões. A primeira diz respeito à virgem e mártir de Antioquia, cuja vida se confunde, muitas vezes, com a de Santa Margarida de Antioquia; a segunda, com bastante implantação na Galiza, dá-no-la como oriunda de Orense; a terceira versão apresenta-no-la como fazendo parte de um grupo de nove gémeas nascidas em Braga, por volta do século II.
Foi no tempo de D. Rodrigo da Cunha, no século XVII, que, fazendo-se eco das crónicas duvidosas, a diocese de Braga admitiu no seu calendário, em 18 de Julho, a festa da mártir Santa Marinha.
Segundo esta versão, governava a cidade de Braga Lúcio Caio Atílio casado com uma senhora chamada Cálcia. Esta dita Cálcia, que professava a religião pagã, teve nove filhas gémeas e, aterrada perante tal fenómeno, pediu à parteira para que as afogasse no rio Este. Como esta fosse cristã, pegou nas meninas e levou-as a S.to Ovídio para que fossem baptizadas. Entregues em casas de famílias cristãs, foram educadas até à idade da adolescência. O pai, então, reconheceu-as como filhas, mas fez tudo para que abjurassem a fé cristã e casassem com mancebos pagãos. Perante a renitência das gémeas, que tinham feito voto de virgindade, o pai irou-.se, expulsando-as de casa. Acabaram por morrer todas mártires.
Esta exposição dos Padroeiros do Concelho de Caminha insere-se numa perspectiva mais vasta que ultrapassa, de longe, o mero interesse bairrista. Ela denuncia um processo de formação das paróquias, como núcleos sociais que, vindos dos tempos antigos, talvez da Alta Idade Média, continuam ainda hoje a marcar a vida individual e colectiva dos povos.
Neste contexto e como elemento catalizador, ergue-se a figura do padroeiro, como um amigo, um vizinho, o principal sem dúvida, e também o melhor. A sua função consiste em proteger a paróquia total, considerada, quer como território com limites definidos, quer como um núcleo social organizado.
A vida da paróquia ainda se processa toda à volta da igreja e do santo padroeiro, a quem o povo presta culto e confidencia as suas mágoas e os seus projectos. Há como que um pacto secreto entre o povo de uma freguesia e o seu padroeiro: um compromete-se a manter sempre limpa e asseada a igreja e vivo o seu culto, outro assumiu perante Deus a missão de proteger o território e os seus habitantes.
De louvar, portanto, a iniciativa da Câmara Municipal e, de modo especial, o seu presidente, Prof. Pita Guerreiro, por organizar esta exposição a propósito das comemorações do 7º centenário de Caminha.”
Excertos
“SÃO MIGUEL DE AZEVEDO
HAGIOGRAFIA – É, juntamente com Gabriel e Rafael, um dos três arcanjos mencionados na Sagrada Escritura. Aparece na tradição bíblica como defensor do poder de Deus contra as potestades infernais. A Igreja primitiva considerava-o também protector dos cristãos nas tribulações da vida.
Depois foi entrando na tradição cristã como aquele que esmaga o diabo tentador (aparece, muitas vezes, na imaginária vestido de guerreiro dominando com a espada o demónio em forma de dragão), e aquele que conduz as almas para o Juiz Eterno (algumas vezes aparece na imaginária com uma balança na mão, na atitude de pesagem das almas – psicomaquia –, não sendo raros os casos em que num dos pratos se encontra uma figura humana nua e assexuada).
O seu culto nasceu, muito cedo, no Oriente, onde desalojou o culto de vários deuses pagãos: Mercúrio, deuses das águas termais, etc.
Geralmente, os primeiros templos consagrados a S. Miguel estavam situados no alto dos montes. No entanto, também aparecem nas planícies e no litoral.
Aqui, nesta região Entre Douro e Minho, vem a seguir a S. Martinho, como padroeiro das freguesias. A sua festa celebra-se no dia 29 de Setembro e anda relacionado com as colheitas (Cfr. O BISPO D. PEDRO E A ORGANIZAÇÃO DA DIOCESE DE BRAGA, P. Avelino de Jesus da Costa, in BIBLOS, XXXIII, pág. 468).
HISTÓRIA – Refere o Eng. João de Azevedo que, nesta minúscula freguesia, actualmente anexa à de Venade, existiram, pelos menos três antas e algumas esculturas rupestres.
Nos tempos históricos, a primeira referência a esta freguesia encontra-se numa doação desta ermida (naquele tempo não passava duma simples ermida) feita ao abade do mosteiro de Vitorino das Donas, antes de 1180, por D. Afonso Henriques (Cfr. Beneditine Lusitana, vol. II, pág. 134).
Nas Inquirições de D. Afonso III, em 1258, não se faz qualquer menção, no inquérito referente a S. Pedro de Varais, o que não nos permite afirmar que já estivesse integrada nesta freguesia, como vai suceder, em época posterior.
Só a partir do século XVII, com a extinção da paróquia de Varais, Azevedo se torna freguesia com personalidade jurídica.
Então, os seus habitantes lançam-se na construção da igreja que estaria na sequência duma capela de S. Tomé que um tal «Martim Anes, de Azevedo, ou Martinhanes d’Azevedo, que se supõe ser um dos indivíduos que vivia em 1513, construiu e que mais tarde, em visita feita a Azevedo, em 3/4/1621, o Arcebispo de Braga, D. Afonso Furtado de Mendonça, lhe deu o nome de “igreja de S. Miguel de Azevedo”, que é a actual, embora tenha sofrido obras com os tempos». (Eng. João d’Azevedo).
IGREJA PAROQUIAL – Apresenta planta rectangular bastante simples constituída por dois elementos – nave e capela-mor – unidos por um arco triunfal de meia volta apoiado em pés direitos. Do lado sul, adossaram-lhe uma dependência que serve de sacristia e de sala de arrumos.
A fachada ostenta porta rectangular, com um dintel levemente arqueado, sobrepujado por uma janela simples e um remate triangular, com uma cruz no vértice que se repete nas empenas do arco cruzeiro e da cabeceira. Nos ângulos do edifício vêem-se acroteras e do lado sul da fronte ergue-se um campanário simples com duas sineiras.
O interior da igreja ostenta um altar mor simples com as imagens de S. Miguel (0,72) e S. Tomé (0,65); no altar de topo do lado esquerdo, também muito simples, em talha, existem as imagens da Senhora de Fátima (0,88), Menino Jesus (0,25), Senhora do Rosário (1,10), esta do século XVIII, bastante boa. No altar de topo do lado direito, idêntico aos anteriores, estão as imagens do Coração de Jesus (1,00), Coração de Maria (0,70) bastante perfeita, Nossa Senhora (0,46) muito perfeita, do século XVIII.
Na parede da nave do lado sul, encontra-se o altar das almas, de pedra, barroco, bastante perfeito. No corpo exibe duas colunas torsas e no ático, lavores barrocos muito bem trabalhados. Além do painel das Almas em baixo relevo de granito, sustenta as imagens da Sra. das Dores (0,40), século XVIII, um crucifixo bastante perfeito (0,66). Num nicho a seguir, está a imagem de Santo António (0,50) e em mísulas, ao longo do muro, S. Sebastião (1,20), S. Francisco (0,45), S. João Baptista (0,25) bastante perfeita, barroca.”
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