Prefácio
«Os Poemas da Resistência bem caracterizam as dificuldades dos intelectuais portugueses nos anos 30-40, principalmente daqueles que militavam ao lado dos mais desprotegidos (e REGUENGO, que não fazia poesia pelos livros mas pela vida, refere com acentos de dramatismo impressionante os naufrágios dos pescadores que ele pôde acompanhar), por uma sociedade mais livre e consequentemente mais justa. REGUENGO nunca se sentiu à vontade com certo primarismo e imediatismo de análise social que os detractores do neo-realismo lhe apontaram na sua primeira fase (e quantas vezes com razão). Em REGUENGO, a «arte útil» ou «poesia social» nunca deixa de ser arte e poesia, por ser útil e social. O único senão é uma tendência para o remate sentencioso (tão característico da prosa portuguesa, como diz António José SARAIVA) e para o tom didáctico-sentencioso. Em 1973, em «Dístico», Alfredo REGUENGO fazia um balanço da sua vida como homem/poeta:«voz que se ergueu/e que falou,/como sabia»; falou «sempre/ em voz alta e de maneira que todos entendessem». E, de facto, a sua linguagem é directa e facilmente descodificável. REGUENGO tinha tanta preocupação em que o código linguístico usado fosse acessível a todos, que em «Muro» afirma preferir por isso a linguagem pictórica (como se não houvesse tantos pintores que invejam aos poetas o manejo das palavras!). REGUENGO não é, como pode parecer, um poeta fácil. Foi, antes, um homem cultíssimo (como poucos conheci) que se esforçou ao máximo – e ao máximo conseguiu – por tornar a sua linguagem inteligível a toda a gente.»
Alberto Antunes de Abreu
Excertos
PERGAMINHO…
Pois sou. Claro que sou!
– Sou da Canalha antiga,
da Canalha que fez
e tripulou
as naus
que foram ao Levante
e aos Brasis
e ao Mundo…
Sou
da Canalha
que morreu
nas guerras,
que naufragou
nos mares desconhecidos
e cinzelou
e ergueu
Jerónimos,
Batalhas
e Alcobaças
e semeou
pinhais,
ceifou
searas
e empapou de sangue
e de suor
a terra dura
deste retalho
que o mar
beija
e cospe…
Claro que sou
dessa Canalha anónima
que fez a História
– embora a História a cale,
a desconheça
e negue…
Sou
do sangue
vermelho
dos Fernão Vasques
e do Manuelzinho
e dos que ergueram voz
e tomaram partido
e morreram de pé,
olhando o Sol
de frente…
Claro que sou
– e tenho orgulho
em sê-lo
e não renego
a cepa donde venho!…
Não tenho pedras
de armas
tenho pedras
que armam
a funda
com que as arremesso.
Tenho as mãos
ásperas
– gerações com calos
que se renovam,
deixam sempre
marca…;
tenho o pescoço
alto
e magro
e conformado
para o garrote
– prá coleira,
nunca!…
PRESENÇA
Se tu viesses, amor,
tudo seria diferente!
As próprias coisas
– teriam encantos que agora escondem
na sua mudez
carrancuda e triste…
Havia de haver flores
sobre o chão duro
e pedregoso.
(Tu nunca viste as pedras
transformarem-se em flores
quando
um sonho de amor
as beija
e ilumina?…)
Se tu viesses, amor,
eu havia de cantar
mil e uma
canções que andam cá dentro
à tua espera
– submersas
no tormento
indizível
de esperar…
Vou pela longa estrada pedregosa
ao teu encontro
(que eu não sei esperar
parado…)
e, à minha frente
vão os meus olhos
ávidos
e ansiosos
a desvendarem as curvas dos caminhos
por onde tu hás-de chegar um dia
ao meu encontro
– se chegares
a chegar…
Avaliações
Ainda não existem avaliações.