Prefácio
“Falar de um poeta é reenviar o eco atenuado da particular música que a sua poesia deixa em nós.(…)
Como só o amigo fala bem do amigo, só o poeta devia falar do poeta”,
in Eduardo Lourenço, TEMPO E POESIA, Lisboa, Relógio d’Água Editores, 1987, p. 115
Perpassam, por este livro, os tempos quentes do passado do autor, numa cuidada estética do afecto. São lugares, pessoas, bichos, momentos intimistas do percurso individual e profissional, sentimentos intensos captados pela subjectividade de um eu poético que busca a sua utópica eternização e que anseia pela sua cristalização, em memórias vívidas e vividas, no presente e no porvir. É a pura evocação mágica daquele tempo arquetípico que funciona como paradigma perdido mas actualizável pela força mágica da escrita que só os poetas genuínos conseguem convocar. Resta-nos, agora, escutar as palavras encantatórias do poeta gravadas nestas páginas, as mesmas palavras a que Homero chamava aladas por “acertarem no alvo como flechas”… (in Maria Helena Rocha Pereira, em estudo dedicado à natureza alada das palavras nos textos homéricos).
Fernando Eduardo Moreira
POSFÁCIO (contracapa)
Há poesia nas suas POESIAS! Há ritmo, harmonia, sensibilidade, beleza, interioridade e sentir. Há pensamento condensado, mistério, espaço. Infinito e Lonjuras…Para o Alto.(…) Ao ler POESIAS fico calmo, sinto-me sereno, simples, livre como a brisa que embala a alma e a refresca… São tão humanas, tão do dia-a-dia as suas poesias, os temas que trata, que nos obrigam a relê-las, a pensar na vida, na Humanidade que sofre. (…) Não se pode deixar de fazer referência às imagens de rara beleza formal e mental, ao ritmo, à cadência, a um crescer da ideia que a palavra acompanha e que quase nos faz compassar o bater da própria vida. Abra-se o livro com chave de ouro, com o espírito em contemplação, em horizontes largos, perspectivando o infinito… (a caminho de deus?). Lança-se o grito de revolta contra a injustiça, a opressão, a inveja, em afirmação de personalidade que não cede. Recorre-se amiúde ao contraste e ao uso, muito bem doseado, do infinitivo presente, que deixa o poema no vago, no ar, no infinito, liberto do concreto, do material, para se projectar no futuro, no perene, no Além…
Armando Saraiva de Melo (excerto de carta datada de 15 de Janeiro de 2000)
Excertos
PENSAMENTO À SOLTA Quando, já noite cerrada, Enterro o olhar no pensamento, E revejo até alta madrugada, O desfilar da vida sem desfalecimento, Embora se sucedam sem o menor queixume Todas as derrotas e todos os fracassos, Aos quais imponho a força do meu querer, A força de meus braços. Se aqui caio, logo ali me levanto Com redobrada energia, Transformado em riso o pranto, Que caldeia, retempera esse outro Eu, Que esmaga com a sua própria mão A Adversidade, a Tristeza e a Ingratidão, Que tenho por punhal cobarde e assassino, Imagem do hipócrita que todo se recurva E se compraz em nadar na água turva Para poder, quando a ocasião vier, Deferir o golpe como lhe aprouver E colher os dividendos da traição. Aquele que ferrou em quem lhe deu a mão, Livrando-o de morrer abandonado, Sem que a consciência, Porque nunca a teve, Lhe faça a acusação Do ser abjecto que ele é. Mas, a seu lado, brinca uma criança De branco vestida, De um branco imaculado, Envolta numa auréola de inocência, Cuja presença Nos faz lembrar Que na Terra ainda há Anjos a passear. VOLTA AO PARAÍSO I Por ser Deus omnipotente, Do fundo do mar tirou Nove ilhas que plantou Para lá, para Ocidente. Um Povo heróico e valente, Não temendo o mar ingrato, A fúria lhe dominou E só parou pela força da beleza Que perante si encontrou. II Com a força do leão E uma alma de menino Lança os barcos ao mar, Rasga nele novos caminhos. Quantas vezes viu e teve A morte por companheira, Sem perder a esperança De que àquele mar embravecido Suceda um mar de bonança III E numa manhã radiosa, Em paisagem deslumbrante, Duas ilhas vê diante de seus olhos, E sob um céu de dossel, Que o Sol iluminou, Como sendo suas filhas, baptizou. Chamou S. Miguel a uma E à outra, já se sabia, Quis dar-lhe um nome pomposo: E pôs-lhe Santa Maria. IV Depois agrupou mais cinco, As quais foi apelidando Com a voz do coração. E deste grupo, à primeira, Por duas já conhecer, A esta chaou Terceira. V Fez-se de novo à jornada E, com vista bem apurada, Não tardou a encontrar, Como se estivesse aboiado, Mais um pedaço de terra Que com a beleza que encerra, Eratão linda, formosa, Que esqueceu a pequenez E com orgulho, altivez, Guardou-a no seu coração Com o nome de Graciosa. VI Aponta a proa ao Sul E novamente extasiado Com o que vê a seu lado: Um enorme linguado Qu, para jamais esquecer, Nome de Santo lhe deu E S. Jorge lhe chamou Para honrar patrono seu. VII O delírio vem depois… É que lá no horizonte, Num horizonte distante, Surgiu um dedo gigante Apontando para o Céu. E alguém então se lembrou De o baptizar como Pico E como Pico ficou. VIII Mas na sua ansiedade Não pára de navegar, E ao lado foi encontrar Outra ilha Que adoptou como filha, À qual, por sua vegetação, E não ter visto outra igual, Pôs o nome de Faial. IX Dando a missão por cumprida, Deu por finda a sua odisseia, Mas ficou boquiaberto Porque mesmo ali bem perto, Quase debaixo dos pés, Lhe saem aves voando, Aves pretas, luzidias, Que pelos ares vão grasnando E que ele bem conheceu. Eram corvos. E à ilha O nome de Corvo deu. X E para arrumar a casa, Deixar serviço perfeito, E agradecer, a seu jeito, a Deus Ter-lhe concedido Dar novos mundos ao mundo, Remata com outra ilha, Seu enlevo, seus amores. De repente, vem-lhe à mente Dar-lhe o nome de Flores. XI E acabou nosso passeio Que, por ser feito em redor, Ninguém sabe onde acaba, onde começa: Pois não há nada que impeça De fazê-lo com amor. PENSATIVO No silêncio da noite parece-me ouvir Esses milhoes de estrelas conversando. Não discutem qual mais está a reluzir, Mas sim o brilho de outra que vai chegando. E se justiça houvesse, eu já sabia Qual delas era a eleita, a rainha, A nova estrela, a que ganharia, Era certamente a Irmã minha Que Deus chamou para sua companheira, Recompensando-a dos dotes de alma pura, Do valor que demonstrou na vida inteira. Por isso se destaca no seio das estrelas E o seu fulgor diamantino entre as mais belas É atributo que pelos séculos perdura. INCONFORMADO Por mais que vá estudando o meu passado, Não consigo encontrar qual a razão Que conjuga os deuses para minha perdição, Dando-lhe o gozo de por eles ser gozado. Ah! Maldição. Que cula tenho eu dos pecados feitos no paraíso? Por que razão esse pai meu Me obriga a pagar essas faltas de juízo? Olha, Pai, vê bem a injustiça Que praticas quando fazes sofrer Toda a Humanidade que só pecou por querer Rasgar o véu da ignorância e dominar Esse mundo que então era de trevas E, com raios de luz, nele implantar. HINO ÀS MÃOS Quedei-me alguns momento a olhar O movimento daquelas n~iveas mãos, Nas quais discreto anel, sem ter brazão, Um raio de sol fazia coriscar. O mesmo sol tornava-as transparentes E em simultâneo num rosa nacarado. Jamais paravam e constantemente Pareciam no ar fazer bailado. Vezes sem conta afagaram meu rosto, Vezes sem conta minhas lágrimas secaram E ajudaram a esquecer algum desgosto. Com elas semeava sempre o Bem, Com elas quanta fome e dor não acabaram?! Por isso vos bendigo, ó mãos de minha mãe.
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