Prefácio
UMA POETISA EM MOVIMENTO
“… Eu não desprezo de modo algum o coração, que quando desprezado não deixa brotar nenhuma obra de arte.”
Cesário Verde
(…)
Ao terminar a leitura deste livro, reconhecemos que ali há uma mulher permanentemente inquieta e de uma grande imaginação psicológica, que tudo questiona, e em que as referências ao sonho, ao amor, ao tempo, à noite, à vida, à morte, ao tudo e ao nada, à saudade, à natureza e aos seus encantos, à paz, à justiça, à liberdade ( de amar, de sofrer, de sonhar e de viver), à amizade e à solidariedade constituem base da sua mensagem rica ,de sensibilidade, de revolta mas tolerante, numa procura optimista de um mundo novo – «sou filha de um tempo sem idade» -, esse espaço/tempo em que não deixa de acreditar, confiança essas manifestada através de expressões cm a força de «Creio na magia do encontro» …«Creio na força do tempo, No poder da mente, Na leveza do pensamento». (…)
Neste livro, há assim uma poesia que, como refere, «É o tudo e o nada», «É o grito das vida», profundamente pensada e sentida, onde a mensagem renasce a cada instante, de um sentir permanente e profundamente enraizado num querer de mudança, e onde esse querer não tem limites.
Numa linha de continuidade com o (seu) livro Limites da Razão, há também aqui, «uma mão cheia de poemas de puro e cristalino lirismo» (Álvaro de Oliveira), onde, num bailado contagiante, as imagens e/ou metáforas (…) se entrelaçam num (re)encontro harmonioso entre presença/ausência e plenitude/carência, num permanente combate contra «a ausência do homem no homem», numa fidelidade à dignificação do homem perfeitamente perceptível nas expressões «Essas crianças, filhas de ninguém», «À espera de…serem filhas de alguém» e outras.
(…) É uma poesia conflituosa e incomodativa que, gerando reflexão e mantendo inquietações, estabelece um diálogo vivo e permanente com o leitor. (…) «É aqui que acontece. É o tal momento. É quando e onde ficamos mais perto de nós e dos outros.»! São momentos de procura de si própria (…) onde o leitor encontra novos espaços para reiventar-se numa peregrinação persistente à procura do infinito.
Num convívio permanente entre os seus eus e o leitor, esta militante do indefinido tem ainda a coragem de, reflectindo sobre o passado e o presente, assumir a sua verdade na procura de planear a construção do futuro (…) É o viver do poeta, porque, como diz, «Ser poeta é procurar, procurar sempre, em todos os cantos e recantos, buscando o invisível, o intocável». (…) E porque já se descobriu que muitas das utopias de ontem mais não são do que realidades de hoje, continua a pensar, a sofrer, a sonhar, a descobrir … e a escrever! E escreve na procura da verdade, porque, como diz, «Sei que necessito do aconchego das frases, onde as palavras procuram o sossego da verdade». (…)
Rómulo de Sousa
Excertos
RETALHO
Ainda… habito o meu sítio
onde me visto de retalhos.
Saboreio momentos
partilhados com alguém,
que não conheço.
Nem sei se quero conhecer!
Receio quebrar o encanto que ofusca
essa existência…
dos abraços e beijos
nunca dados
de carícias desejadas
de sonhos presos no imaginário!
Ainda… habito o meu sítio
onde me visto de retalhos
que cobrem os meus sonhos
partilhados com ninguém.
EM VÃO
A noite trouxe a magia
da lua cheia.
Ouviram-se gemidos de amor
que o mar arrastara
num abraço sôfrego. Sedento.
Sem promessas.
Já faz tanto tempo, que aquele mar
pertence ao meu olhar,
em busca dum amor naufragado.
As minhas mãos estendem-se
para lá do horizonte…
agarrando o encanto
que a lua deixara
num momento de luxúria!
EM JEITO DE BRINCAR
Para além das palavras
há o olhar.
Esse olhar… a transbordar
em jeito de brincar
no meio da multidão.
Eles não reparam.
Eles não entendem.
Eles não sentem.
Porque nunca tiveram
um olhar
para além das palavras
em jeito de brincar.
Esse olhar… a transbordar
sabedoria
em jeito de comunicar.
Não reparam.
Não entendem.
Não sentem.
Porque
nunca tiveram um olhar
para além das palavras
no meio da multidão
mesmo em jeito de brincar!
SABES, AMIGO!
Tenho como fundo uma canção maravilhosa, muito doce, do nosso tempo. Do outro tempo.
(…)
Sou uma amante do tempo. Do tempo com vida, por onde eu e tu passamos, onde nos encontramos com os outros, que como nós são passageiros do tempo. Sabes, um dos meus sofrimentos é sentir que o tempo não tem tempo para correr devagarinho. Eu sei que, como eu, gostarias que o tempo parasse um pouco. Talvez tivéssemos mais tempo… Talvez parássemos um pouco para pensar… Talvez nos encontrássemos mais… Talvez amássemos mais e melhor… Talvez olhássemos mais os outros… Talvez fizéssemos o que não fazemos…
Sabes, amigo, o tempo corre no seu ritmo natural. Sem pressas. Nós é que temos pressa de correr pelo tempo e passamos o tempo a jogar o esconde-esconde entre as desculpas e as hipóteses dos vários “talvez”…
(…)
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