Prefácio
Retrato de um poeta
( Pelo Professor catedrático, escritor e poeta Amadeu R. Torres )
Laureano S., pseudonimado Laureans,é um poeta trota-mundos em que, não raro, as ideias e sentimentos turbilhonam, nem sempre escalonadamente, e a inspiração em catadupa busca ansiosa, e por vezes de modo um tanto discutível, respostas aos absurdos da vida, ora aparentes, ora reais, resultantes uns e outros das suas experiências perante o mundo-cão do cinismo, da injustiça, da hipocrisia, das ambições e egoísmos multifários.
Por isso, interventivo por fraterna solidariedade ingénita e não por imposto idanovismo, pede “Utopia onde falte lei”, revoltado contra uma “sociedade bárbara de consumismo/onde tudo tem preço e não se atribui valor a quase nada”, infelizmente.
Datada de vários continentes por onde tem andado, a arte de Laureans, ainda quando abre em preferências acantonadas por índices de superfície com parcelas subjectivas, jamais se confina a qualquer autotetelismo estilístico emparedado em torre de marfim, porquanto o seu programa e ideal proclamam, despertos e lúcidos, “a arte pelo homem”, já que ele próprio se sente, de contínuo, irmão entre irmãos e sobremodo um poeta de fora para dentro: entra-lhe o mundo todo pelas janelas da alma.
Contudo, em momentos recolhidos e talvez mais fugazes, Laureano S. desdobra-se outrossim de dentro para fora, compondo então, sob acordes de música clássica, que sumamente aprecia, poemas de ritmos leves, bucólicos e arejados como o lugar da aldeia onde nasceu, no qual, se não havia as bétulas da casa de Tolstoi, abundavam os pinheiros mansos, mimosas, urzes, giestas e austrálias. E assim se compreende perfeitamente o que nos confidenciou nestes dois versos:”Se não fora a poesia/não houveramos resistido a tanta canalhada.”
Entretanto estas duas facetas de Laureans não se comportam como paralelas, porque a mais habitual de entre ambas é a primeira, sintetizada nesta asserção eloquente de Clarence Darrow:”O homem que luta por outrem é melhor do que aquele que luta por si próprio”. Ou, talvez mais apropriadamente, nesta da Madre Teresa de Calcutá ou de D. Helder Pessôa da Câmara que, entre outras personalidades ilustres, Laureans gosta de citar:”O mais importante é que nos amemos uns aos outros”, pois, mesmo quando artistas, acrescenta Merleau-Ponty,”não podemos ser justos sózinhos”.
Eis o que na verdade, faz da poesia uma autêntica e humana e humana “investigação espiritual” como advogava Rainer Maria Rilke, e não apenas uma “arte pela arte” como nunca quis nem quer Laureans.
Amadeu Torres ( Castro Gil )
Outros
Badanas
Todo aquele que sentir…a minha música está livre de perigos onde outros perecem.
( Beethoven )
A principal condição para um escritor ou poeta, é saber sentir.
( George Sand )
Enquanto houver, ainda que, uma só injustiça, não devemos negligenciar a luta.
– (Dentre os milhões que pensámos ou pensamos assim, estão os irmãos: Confúcio, Sócrates, Marx, Che Guevara, Zéca Afonso, Ary dos Santos, Urbano Tavares Rodrigues, José Saramago e…) (L.)
Procuremos morrer vivos, em vez de vivermos mortos! Isto pode acontecer, mais provavelmente, quando nos restringimos a nós própios ou aos do nosso casulo. (L.)
Excertos
FAÚLHAS DO AUTO RETRATO
ele detesta a rotina
combatendo o ordinário.
E das janelas do seu horizonte,
o vento rompeu-lhe a cortina,
para que vislumbre o seu
calvário.
e a musa o sacie em sua fonte.
ele sabe detestar
a mesquinha gentileza,
a cobardia, coitada!,
o sorriso sem sentido,
as palmas em ovações,
ou o cumprimento apertado
por uma mão maquinal…
do autómato humano
que faz, usa, vê e mente,
pra ser como toda a gente!
Ele é,
o ser que fala…com os sons,
que murmureja com o vento,
que funde a água e o fogo,
e voa como um cometa:
ele é um simples poeta.
PALAVRAS
Detesto-vos por dizerdes raramente o pensado;
E tolero-vos por exprimirdes minimamente o desejado.
Sois tantas vezes, nos tribunais, a condenação injusta
Por causa de matreiros em Direito tão torto
Que não deveriam ter deixado o escroto.
Palavras,
Nos parlamentos sois, simplesmente, traições;
Nos comícios, mentiras;
Nas religiões, engano;
No amor, ilusão;
Na amizade, fragilidade;
Nas guerras, contradição;
Na História, mitologia;
Na literatura, confusão;
No jornalismo, o ganha-pão;
No novo-rico, sois vaidade;
E na pobreza, não sois nada!
Sois no desespero a vingança
E no sábio a tolerância.
Na cama, pouco mais sois que besteiras, ou gemidos!
Nos espaços pra desportos sois gritos de extrovertidos.
Palavras,
Vós sois a vergonha de uns
E a salvação…provisória de outros.
Sois para os sem-carácter, cobardia
E sois para os que o…têm, sofrimento.
Palavras,
Vós sois sarilhos, carapaças,
Vias largas, mas tapadas,
Saída pra precipícios.
Sois a vida dos que mentem
E um mal dos que vos sentem.
Sem palavras é pior,
Por não poder redimi-las.
Recebo e dou as de fel,
Dou e recebo as de mel.
Palavras,
Sois tanta coisa
E pra tão pouco valeis.
A vós não vos leva o vento,
Se bem ou mal sois sentidas.
Palavra, tu és tão absurda
Como o é o todo da vida!
Caminha,5/93
Avaliações
Ainda não existem avaliações.