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Solo de Vozes [Separata dos tomos X e XI dos Cadernos Vianenses]

O autor começa por reflectir sobre a riqueza da cultura portuguesa decorrente de uma língua “repartida por diversos espaços e falares”. De seguida debruça-se sobre a leitura e a ileitura e refere um conjunto de autores do Alto-Minho que lograram “alguns, por sua arte, atravessar fronteiras de tempo e de espaço, e seus nomes e obras inscrever na História da Literatura.”

Depois de se questionar sobre se “serão estes poetas do Alto-Minho suficientemente lidos” afirma ser sua intenção abordá-los da forma que lhe parecer mais correcta e dessas leituras dar conta nos Cadernos Vianenses.

Este separata marca o início e David Rodrigues começa mesmo pelo princípio, pela Poesia Trovadoresca e, mais concretamente, neste caso por MARTIM SOARES de quem analisa oito cantigas de amor e outras tantas de escárnio e maldizer.

A terminar o autor afirma ser tempo “de se fazer a re-visão global prometida sobre a poesia de MARTIM SOARES”.

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Prefácio

(introdução)

Tem a poesia a idade do homem e a portuguesa o tempo de um povo que de poetas se diz.
A nossa língua, repartida embora por diversos espaços e falares, continua a ser um dos factores mais ricos e de maior unidade da Cultura Portuguesa. Riqueza e unidade que os nossos poetas, de todos os tempos e lugares, têm sabido manter, desenvolver e engrandecer, a ponto de a poesia em Português escrita gozar de um prestígio destacado na produção literária mundial.
Apesar desta verdade, certo e sabido é que os Portugueses não lêem e/ou conhecem mal a obra dos seus poetas. De pouco tem servido, entre nós, por exemplo, a realização de efemérides de nascimento ou morte (mais de morte que de nascimento), a propósito de grandes poetas levadas a cabo. Cabo que se para os organizadores sempre aparece de boas esperanças, para os homenageados, se vivos ainda fossem, bem tormentoso seria. Nestas ocasiões, muita gente costuma encher a boca de boas vontades e a vontade de boas intenções. Só que, como se deverá saber, tudo isto não tem sido suficiente para retirar do limbo ou purgatório a Poesia Portuguesa e ao céu da leitura que merece elevá-la. E porquê? Porque a realização de homenagens, póstumas ou não, têm tido como objecto mais a biografia do que a bibliografia do autor. Como se a vida de Camões, por exemplo, fosse mais importante que a sua obra. Acaso, o épico seria o que hoje é, se não tivesse escrito o que (e como) escreveu? (E não foi somente Os Lusíadas, é bom recordar). Estamos em crer, até, que o simples conhecimento da vida de Luís de Camões, embora em tantas e por tantas bolandas vivida, dar-nos-ia dele apenas um retrato de aventureiro, de atrevido, de rebelde de infortunado e, daí, sem lugar na História, certamente. Aliás, estes ingredientes que num cidadão comum contribuiriam apenas para o tomar ainda mais anónimo, no caso do grande lírico português de quinhentos, foram e têm sido positivamente valorizados, única e exclusivamente, porque foi poeta e, sobretudo, o poeta que foi.
É frequente ouvir-se dizer que os poetas contemporâneos são ininteligíveis e, por isso, ilegíveis. Este fenómeno, porém, parece ser mais uma das doenças crónicas dos Portugueses. Já Camões, n’Os Lusíadas, se queixava deste modo: «Não mais, Musa, não mais que a lira tenho/Destemperada e a voz enrouquecida,/E não do canto, mas de ver que venho/Cantar a gente surda e endurecida.» (Canto X, 145-148) Outros queixumes de outros (poetas ou não), se poderiam apresentar, reveladores do divórcio que entre a poesia e o leitor parece ter existido sempre. Registe-se, para concluir, mais esta amarga ironia de Carlos de Oliveira (1921-1981), em 1952 escrita: «A poesia, não obstante vivermos numa terra de poetas, quem sabe se por isso mesmo, contenta-se com que eles se presenteiem reciprocamente os livros e se leiam uns aos outros»( O Aprendiz de Feiticeiro, 2. ed., 1973, p. 84)
Todos os grandes poetas apresentam, geralmente, obra de leitura nem sempre fácil para a maioria dos seus contemporâneos. Têm-se diagnosticado muitas e diversas hipóteses para a explicação do facto: o estatuto da própria arte poética, o estilo dos poetas, o elitismo de alguns destes, a educação escolar, o poder e a atracção dos audio-visuais, o preço dos livros e a sua fraca divulgação. Diz-se ao público que estas serão, entre outras, razões de peso na explicação da sua falta de leitura(s). Serão. Mas o público, que não lê, instala-se, concorda e acomoda-se, até porque, muito frequentemente, quem tais razões avança é gente com responsabilidades a vários níveis: políticas, económicas, educativas, culturais. Julga-se que a simples detecção dos sintomas pode curar a doença. Sintomas que, todavia, serão, na sua grande parte, superficiais ao próprio corpo onde o mal está instalado, embora o possam afectar consideravelmente.
Pode o público não ler porque não foi e/ou não está preparado; porque condições verdadeiramente educativas, económicas e culturais não teve ou não tem; porque para outras actividades mais fáceis e, por vezes, mais aliciantes, senão aleatórias, é atraído. Só que tudo isto é mais efeito que causa. O público não lê porque, simplesmente, não lê. E não lendo não conhece, não entende, não respeita.
A poesia, como toda a vida de um povo, é fruto de um dinamismo social, histórico e cultural que, diacrónica e sincronicamente, se processa no tempo, sem grandes saltos ou rupturas, embora necessários, por vezes. Só quem agarrado vive a preconceitos de vida de monótona passividade e facilidades não compreende que estes fenómenos são resultado de estados de crise. Crise que não surge por obra do acaso, mas que natural consequência é de todo aquele viver passivo que a gerou e lhe facilitou as condições para que sucedesse.
Na própria significação de salto, ruptura e crise está implícita uma realidade pre-existente. Quer isto dizer que as inovações significativas que alguns poetas introduzem na Poesia Portuguesa e que tão frequentemente são maltratados por isso, só poderão ser compreendidas (lidas) no quadro mais vasto da Cultura Portuguesa, em geral, e nos domínios de toda a produção poética, presente e anterior, em particular. É que a leitura dos contemporâneos não dispensa, antes exige, a leitura dos clássicos, mais ou menos remotos, e vice-versa. Daí que, para a compreensão da expressão poética, seja necessária uma visão em extensão e profundidade da Cultura e da Poesia Portuguesas, pelo menos. Não deixa de ser significativo, a este respeito, et pour cause, que grandes poetas de um tempo e lugar sejam, simultaneamente, os melhores leitores (críticos e – teóricos) da poesia já escrita ou a escrever-se. Refiram-se, a título de exemplo, os casos recentes, entre nós, de Adolfo Casais Monteiro, de Vitorino Nemésio, de Jorge de Sena (este, até, da sua própria poesia), de Fernando Guimarães, de António Ramos Rosa.
Se a situação de ileitura afecta os maiores poetas, o que não acontecerá com os nascidos e viventes na província?
De entre os naturais do Alto-Minho, lograram alguns, por sua arte, atravessar fronteiras de tempo e de espaço, e seus nomes e obras inscrever na História da Literatura. Serão os casos dos trovadores Lourenço (da Correlhã?), de Fernão Rodrigues de Calheiros, de Martim Soares, de Vasco Rodrigues de Calvelo; dos irmãos Diogo Bernardes e Agostinho da Cruz (séc. XVI); dos parentes António e Álvaro Feijó (1859-1917 e 1916-1941, respectivamente) de Queirós Ribeiro (1864-1928) e de João Verde (1866-1934), para referência se fazer apenas a alguns dos já falecidos. Outros, porém, limitados ficaram, por razões diversas, a uma posição de prestígio que não ultrapassou o recanto nem a época em que viveram, embora obra e acções culturais de mérito tenham escrito e realizado, pelo menos a nível local. Serão os casos de António e Sebastião Pereira da Cunha (1819-1890 e 1850-1896) pai e filho, respectivamente; de Silva Campos (1852-1929) e António de Cardielos (1875-195a); de António M. Gonçalves Ferreira (1885-1963) e de Salvato Feijó (1876-1959); de João da Rocha (1868-1921) e de Alfredo Reguengo (1909-1980), para continuarmos a referir somente alguns dos que entre os vivos já não se encontram.
Serão estes poetas do Alto Minho suficientemente lidos, conhecidos, ao menos, pelos seus conterrâneos? Julgamos que não e daí uma das razões de ser deste nosso trabalho. As suas obras, muitas vezes dispersas por jornais e/ou revistas da época, com livros de tiragem reduzida e, hoje, raros ou esgotados, dificilmente encontráveis nas bibliotecas municipais; não havendo ainda uma antologia criteriosamente organizada (ao contrário do que acontece em outras regiões do pais) dos seus poetas, como se pode esperar que o povo deste minho pitoresco os conheça e leia? Mas eles existem, existiram e existirão. Re-descobri-los, estudá-los, lê-los, divulgá-los é obra que se impõe, até porque também eles fazem parte do chamado Património Cultural que muitos querem entender apenas de modo redutor ou fragmentado.
Nenhuma leitura, por mais atenta e profunda que o seja ou deseje ser, esgota a significação de urna verdadeira obra de arte. Novas leituras são sempre possíveis e enriquecedoras, quer se trate de textos remotos, quer de textos contemporâneos. Depende tudo isto de muita coisa! mas, fundamentalmente, das perspectivas em que o leitor se coloque, dos instrumentos de análise que utilize, dos interesses que o motivem.
Dos poetas aqui a reunir faremos a abordagem que nos parecer mais correcta à sua compreensão e mais facilitadora da sua leitura, entendida esta de modo dinâmico e global. Socorrer-nos-emos, para os efeitos, de estudos já realizados por especialistas da exegese literária ou outras. Mas não descuidaremos o nosso próprio entendimento do que é o fenómeno poético e de como ele foi praticado pelos autores tratados.
Traremos, por isso, ao (re)conhecimento das potenciais leitores destes Cadernos, o quanto de vida baste e o melhor que da obra de cada uni se conheça. Oxalá que a voz dos poetas do Alto Minho, solo a que por origem ou adopção pertencem, se ouça mais claramente. Devidamente.

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