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ISBN | 972-97776-0-8 |
Teatros
TEATROS inclui três peças com cariz simultaneamente didáctico e lúdico.
TOCA, NÃO TOCA E VOLTA A TOCAR, peça em 8 quadros, um prólogo e um epílogo, foi criada a partir da peça de António Torrado Flauta sem Mágica. Segundo o autor, «é uma peça essencialmente ecológica (…) vocacionada para os mais novos.(…)aborda a temática da poluição sonora versus fruição musical, da poluição do ar versus ar puro, da polifonia versus monotonia (…)».
JARDIM CELESTE, opereta em 2 actos na qual, a propósito da inauguração de um chafariz e de um urinol se desenrola uma mordaz crítica social.
Na peça MARESIA, ode cómico-trágico-marítima em 2 actos, o pequeno Chicharrinho segue com curiosidade e interesse as histórias das aventuras do Avô Zé Chicharro e do Faroleiro Ti Jão que retratam vários episódios da vida de uma comunidade piscatória.
Prefácio
«Retratar os costumes afifenses, as tradições locais mais ou menos longínquas, parodiar as figuras típicas da Terra, criticar as entidades e os poderes instituídos, não é apanágio de qualquer um, é sim de quem tem muito amor a Afife, de quem tem a coragem e a sabedoria de mostrar aos coevos o que foi e ainda é a vivência local, enfim de honrar o trabalho realizado ao longo dos últimos cem anos (se não mais)pelos Grandes Homens do Teatro em Afife.»
Casimiro Puga
Excertos
Excerto de TOCA, NÃO TOCA E VOLTA A TOCAR
1.° QUADRO
A Banda tocando com brio, sob a direcção do MAESTRO PALHETA. Músicos da Banda: CELESTINO da flauta, MARIA BENAMOR do tambor (vestida de majorette), MOURATO dos pratos e mais alguns executantes (clarinete, saxofone, trompete, acordeão, etc.)Os músicos, diante das respectivas partituras, esmeram-se na execução. Grande exuberância musical. Os músicos no ensaio podem estar fardados ou não, a não ser Maria Benamor, vestida de majorette. A banda toca uma peça de música completa. No início da segunda peça ao fundo do palco vão começar a ser montados diversos praticáveis que vão sugerir uma fábrica. Esta instalação vai ser feita pelos personagens CINZENTÕES. A meio mais ou menos da segunda peça, a banda começa a desafinar, mas ainda consegue terminar a música. No início da terceira peça, o Maestro Palheta vai dar entrada à flauta. Dá entrada mas o flautista não corresponde. Interrupção. Os pratos tocam a destempo.
MAESTRO PALHETA – Alto, alto e mais alto. Então essa flauta vem ou não vem? Outra vez! Do princípio. (pausa) Atenção! Um e dois e… Arrancar!
(Arranca de novo a música. Para dar entrada à flauta, o Maestro Palheta imprime mais ênfase ao gesto. O flautista esforça-se, mas não corresponde ao tempo. Interrupção. Os pratos, de novo, tocam a destempo. Outras estridências. Os músicos estão encabulados)
MAESTRO PALHETA – (batendo furiosamente, com a batuta na estante) lrra, irra e mais irra! Uma escorregadela ainda vá, mas duas e seguidas… já não tem explicação. Toma cuidado Celestino, que da próxima não perdoo. Atenção! Um e dois e… Arrancar!
(Arranca de novo a música. Ao chegar ao tempo da flauta, interrupção. O dos pratos suspende o gesto, no último instante)
MAESTRO – (batendo desesperadamente com a batuta, que pode partir-se…) Irra, irra e mais irra! Mas o que é que se passa com essa maldita flauta? Não toca? Está entupida ou quê?
CELESTINO DA FLAUTA – Está entupida.
MAESTRO – O que é que eu ouvi? A flauta está entupida? O que queres dizer com isso?
CELESTINO – Por mais que sopre, a flauta não toca.
MAESTRO – Essa é muita boa. Dá-ma cá. (Celestino entrega-lhe a flauta. Maestro sopra em vão) Pois não. Realmente, a flauta não toca. Que lhe terá dado?
MARIA BENAMOR – Há outra flauta no vestiário.., na primeira gaveta a contar de cima, à esquerda de quem entra.
MAESTRO – (para Celestino) Vai buscá-la. Despacha-te. Anda. (Celestino sai) Entretanto, nós vamos ensaiar para a frente, a partir do acordeão, segunda página ao alto. Entra o acordeão, acompanha-o o trompete e, depois, todos à uma… Estão a ver? Atenção. (empunhando a flauta como se fosse a batuta) Um e dois e… Arrancar!
(O do acordeão esforça-se. Os outros instrumentos olham-no. Incitam-no. Não sai som.)
MAESTRO – Irra e mais irra e mais irra, vezes cinco. Que temos agora?
O DO ACORDEÃO – Está entupido. Não toca. Até me doem os braços de tanto dar aos foles.
O DA TROMPETE – O meu também não toca. Até me doem os ouvidos de tanto soprar.
(Mais instrumentais se queixam dos ouvidos)
CELESTINO (regressando) – A flauta que estava guardada é igual à outra. Não toca.
O DA TROMPETE – (experimentando-a e sacudindo-a) Está inutilizada. Não dá som.
O DO SAXOFONE – Nada de nada. Nem um suspiro. Não toca.
MAESTRO – Irra e mais irra e mais irra, vezes trinta. Que diacho se está a passar na nossa banda? Perderam todos o fôlego? Os instrumentos ganharam moléstia? Na Banda da Sociedade Filarmónica Harmonia e Progresso nunca tal se viu. Tenho vinte e cinco anos – vinte e cinco anos! – de regência de bandas e é a primeira vez que os músicos se recusam a tocar.
VÁRIOS (em coro desafinado) – A culpa não é nossa.
CELESTINO (aflito) – Maestro Palheta, Maestro Palheta! Olhe para os papéis, as partituras… As notas estão todas a desaparecer. Não se aguentam nas linhas.
MAESTRO (trocista) – O quê? Não se aguentam nas linhas? Caíram para o chão, foi?
MARIA BENAMOR – É verdade Maestro Palheta. As notas estão a desaparecer.
O DA TROMPETE – Apagaram-se!
O DO ACORDEÃO – Fugiram!
CELESTINO – A música está com doença!
O DO CLARINETE – Deu-lhe a peste!
MOURATO DOS PRATOS – E a peste pega-se. (deixa cair os pratos ruidosamente)
O DO ACORDEÃO – Toca a fugir.
O DO SAXOFONE – Salve-se quem puder!!!
(Vários gritam, fugindo, atordoados e ainda queixando-se dos ouvidos. Caem estantes, instrumentos e cadeiras)
MAESTRO PALHETA – A Banda da Sociedade Filantrópica, Columbófila e Filarmónica Harmonia e Progresso encerrou, provisoriamente, as suas actividades. (noutro tom) Irra e mais irra e mais irra, vezes cem. Irra, irra, irra, irra, irraaaaaaaa. (sai)
Excerto de MARESIA
1.° QUADRO
CHICHARRINHO – Avô… Avô… Avô… (irrompendo pela cena) Avô… (depara com o avô no cesto da gávea) Ahh… estás ai avô. Posso ir para a tua beira? (gesto afirmativo do avô) Obrigado avô. (miúdo trepa para a gávea) Cá por riba está um frio de rachar. (gesto de concordância do avô) Avô, podes contar-me mais algumas histórias ou ensinar-me coisas sobre o mar? (gesto afirmativo do avô) Conta lá então, avôzinho.
(Silêncio grande e confrangedor. Avô pigarreia e começa)
ZE CHICHARRO – Meu querido netinho; a última história que te contei há dias atrás, tinha sido sobre uns antepassados nossos que se tinham debatido com um gigante, até conseguirem dobrar o cabo das Tormentas. Passou-se isso no tempo de El Rei D. João II. Ainda te lembras como se chamava o navegador que ousou tal feito?
CHICHARRINHO – Lembro-me avô. Chamava-se Bartolomeu Dias.
ZÉ CHICHARRO – E o gigante?
CHICHARRINHO – (pensativo) Adamastor.
ZÉ CHICHARRO – Tens a memória fresca, rapaz. Este velho pescador já se vai esquecendo de algumas coisas, mas com a graça de Deus ainda tem muitas histórias para te contar e muito para te ensinar.
CHICHARRINHO – Conta avô, conta. Ou então ensina-me coisas do mar.
ZÉ CHICHARRO – Isto que te vou ensinar é sobre um peixe da Terra Nova. Antigamente pescava-se de dóri e à linha. Hoje, com as novas tecnologias estão a dizimar tudo. A fome vem pelo mar meu rapaz. Sabes que peixe pescavam por lá, cachopo?
CHICHARRINHO – Não avô, não sei.
ZE CHICHARRO – Ainda hoje se pesca algum, mas já não é para as carteiras dos pobres. Escuta lá então…
(Vão entrando alguns personagens simbolizando bacalhaus)
CANÇÃO DOS BACALHAUS:
REFRÃO:
“FIEL AMIGO”
Nós somos o bacalhau.
Temos feito as delícias
Do povo de Portugal.
Nossa pesca era à linha
Em tempos que já lá vão.
Somos agora arrastados
Para o fundo do porão.
De tanta “coça” levarmos
A cota foi reduzida.
É uma boa maneira
P’ra nos salvar a vida.
REFRÃO
“FIEL AMIGO”
Nós somos o bacalhau.
Temos feito as delícias
Do povo de Portugal.
Somos muito pretendidos
Ricos ou pobres, é igual.
P’rós ricos é todo o ano
P’rós pobres só no Natal.
Se não houver protecção
Somos mesmo exterminados.
O mar é de toda a gente
Sejam lá civilizados.
REFRÃO:
“FIEL AMIGO”
Nós somos o bacalhau.
temos feito as delícias
Do povo de Portugal.
(Saem)
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