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ISBN | 972-98580-1-2 |
Viagens
São variados e ricos os temas abordados por Francisco Carneiro Fernandes na sua obra Viagens. Um dos poemas iniciais – “Ser poeta” – debruça-se sobre a importância e magnanimidade do ofício do poeta (não é casual que muitos dos seus poemas sejam dedicados a alguns dos maiores vultos da poesia portuguesa, tais como Augusto Gil, António Nobre, Mário de Sá-Carneiro, Alexandre O’Neill, Ary dos Santos, Fernando Pessoa e Cesário Verde). O título Viagens remete para uma nomadização que serve, afinal, de pretexto para uma reflexão ontológica sobre o eu no mundo e na vida (“Viagem”, “Janelas”), assumindo contornos de intervenção activa num contexto de justiça social (“Rotas da Vida”). Assiste-se, inúmeras vezes, ao estabelecimento de uma antinomia passado / presente (“Olhares”, “Nostalgia”), bem como à referência à passagem célere do tempo, à condição efémera do ser humano (“Relógio”). São também marcadas as datas comemorativas importantes tanto para o percurso individual como para o trajecto gregário do sujeito poético: “Dia do Pai”, “Páscoa”, “Balada de Natal”, “Carnaval”, “25 de Abril”. Em “Cidade”, o espaço-cidade é convocado como lugar de euforia sonhada / disforia concretizada. No entanto, são vários, aliás, os espaços urbanos que se desenham afectivamente nestas páginas: “Porto”, “Melgaço”, “Vila Praia de Âncora”, “Ponte de Lima”. São também convocados macro (“Portugal”) e micro-espaços (“Café”), encerrando-se o livro com a meticulosa mimese da obra de arte cesariana “Sentimento de um ocidental”: “O sentimento de um vianense”. Emerge também desta poesia de convicções a defesa de valores humanos intemporais altruistas e construtivos: “Liberdade”, “Amizade”, Humildade”, “Lei da Vida”.
Excertos
SER POETA
Quanto gesto silenciado
Leva à alma do Poeta
A alma do injustiçado!
Quanto silêncio roubado
Canta com alma o Poeta
Do coração destroçado!
Quanto eco num só momento
Grita ao coração do Poeta
O deserto em pensamento!
Uma espiga doirada,
Um canteiro de flores,
Uma noite fria estrelada,
Um dia quente sem justify,
Tudo e Nada
O Poeta sente!
Por isso Camões,
Cesário, Nobre, Pessoa,
Vivem Sempre
Eternamente!
ROTAS DA VIDA
Como eram belos os doces trinados!
Que enlevo ver as rosas e os cravos
Desmaiar fragrâncias no jardim
De sóis, outrora vividos por mim!…
Agora, porém, tudo se consumou:
Espectro apocalíptico, sem fim,
Cresceu… A alvorada jamais raiou!
Tu, irmão, nessa concha acomodado,
Olvidando em sacrílega omissão
Crianças de ventre dilatado,
Navegas na rota da ostentação!
E tu, que das rotas do poder partilhas?
Es incansável da lua justiça social…
Agrilhoaste, com repastos de lentilhas,
Razões humanas ao térreo Ideal!
Irmãos! Vós, que na rota da vida
Semeais obuzes em vez de pão,
Já pensastes no Ser sem guarida
Sucumbindo célere à contradição?…
A rota dos dois cavaleiros assombrados
É o holocausto, sem fronteiras, sem idade;
Rios de sangue por eles são drenados.
Em cantilenas alusivas à liberdade!…
Só tu, Irmão, que na rota de cada dia
Manténs acesa a chama da harmonia
Semeando gérmens de Amor leito Pão,
Só tu… entoas bela Canção!
Contigo, será apagada a nostalgia,
Doces trinados, rosas e cravos desabrocharão
Numa aurora renascida em Poesia!
1984
NOSTALGIA
A António Nobre
Ó Virgens que passais, ao Sol-poente,
Lá longe, nas quebradas de meu pranto!
Vinde luzir quimeras, doce encanto,
Através das janelas do presente!
Cantai, moçoilas! Cantai suavemente…
Cantai à beira-mar a flor do campo,
A fonte, o luar… Eu quero tanto
Voltar ao velho Lar que está dormente!…
Ah pudesse abraçar a mocidade!
Vê-la parar, sentir a mesma idade,
Na minha Torre d’Anto, sem um ai…!
Cantai! Cantai, viçosas raparigas,
Trovas de madrugar manhãs floridas!
Passai ao Sol mais devagar… Cantai!
1998
RELÓGIO
Implacável relógio do tempo,
Que marcas segundos, minutos e horas sem parar!.
Que controlas um triste dia de alegria,
E não olhas à eternidade
Dum coração a sofrer!…
Relógio da minha sorte, sempre a bater,
Batendo forte, sem piedade!
Relógio maquinal, a trabalhar,
Como se esta vida a correr p’rá morte
Fosse assim Ião fácil de viver
E controlar!
PÁSCOA
Em bandas azuis sonoras
Repicam Aleluias de alecrim e alfazema!..
Vestem na vereda da vida as nossas almas.
Vestidas de roupagens brancas
A cheirar às ervas frescas
Com o aroma das rosas!…
E em cada lar festivo.
Voga no ar uma lavanda de Renovação!
Tilintar mágico das manhas luminosas,
Ritual Pascal feito Esperança,
Vivido sempre igual por tanta gente,
Mas para mim… Sempre diferente!
CIDADE
Sempre entendi Cidade
Ponte ancestral de modernidade:
Aldeia, Catedral Clássica,
Praça Pública e Mercado
Da Cultura Democrática!
Alguém sonhou um dia
Cultivar Urbanidade:
Arte, Civilidade, Cooperação,
Tecnologia do trabalho universal!
Mas a fonte que alimenta
A cidade… já secou!
A ponte é uma estrada cinzenta,
E a praça, espaço fechado,
Aberto à realidade virtual
Da cultura de mercado!
Sempre entendi Cidade
Ponte ancestral de modernidade…
PORTO
Luz difusa
deslumbrante,
Dor de ausência
compulsiva,
Em dois momentos vitais
da minha vida de Estudante!
O Porto
com as cores
Que a memória
vai pintando…
MELGAÇO
Melgaço é aquele abraço
Sem fronteiras,
Que desliza por vinhedos,
Fragas e ribeiras,
Acenando à Galiza
E sussurrando ao Minho seus segredos!…
Vem, Amigo,
Sentir por que choram de frio
As margens do rio em pleno inverno!
Descobrir a natureza em pranto,
Naquelas almas serranas
Vestidas de negro, imaculadas de branco!
Partilhar do gesto fraterno.
Quando a Serra desce às portas da Ribeira
Para abraçar a Vila em dia de feira!
Escutar a Canção do Emigrante,
Na hora longa da partida
E num curto instante de chegada!
Percorrer as pedras da velha calçada,
De Fiães a Castro Laboreiro,
De Paderne até à Orada!…
Melgaço… feito de pedra morena,
Torre de Menagem
Legenda da coragem de Inês Negra!…
Mais, muito mais.
Do que mil e uni matizes
Pintados em paisagem natural,
Melgaço, Amigo,
É luta, caminho, raízes.
Pedaço deste nosso Portugal!
VILA PRAIA DE ANCORA
As ondas batem, sem parar,
Abrindo sulcos na rocha
Que te deu identidade!…
No Vale do Âncora
Tudo escorre para o mar!
Pico Ancorense, Dólmen da B airosa,
Cultura Castrense, Cividade…
Marcos de pedra afeiçoada ao tempo;
Pedaços de terra à volta dum fogo;
Espelhos d’água, que a Urze
Canta em cascata na Serra d’Arga:
— Ai quem com ela se cruze…!
Caminho de História milenar
Forjando a alma do Alto Minho!
Que força abrasiva
A natureza tem em liberdade!
Quanto sonho,
Quanta luta desfeita em tumultos
Pela incerteza da própria vida!
E ninguém repele os seus impulsos…
Só a pele ressequida do Pescador,
Deixando marcas de sal
Na sua cara-metade!…
As ondas batem sempre em Portugal,
Com fragor, em dor sofrida,
Coração de tantas mães!
Gontinhães antiga,
Vila Praia moderna:
Cultura pré-romana;
Pedreiros e marinheiros;
Rio, serra, veiga,
Ribas e enseada;
Barco fora-de-borda.
Masseira a remos;
Praia, ferrovia, estância balnear;
Comércio, serviços, hotelaria;
Ondas de prédio em prédio a navegar.
Farol!
Rede, anzol e armadilha
Nas teias que a vida tece ao acordar!.
Bruma, tempestade, sinal da Cruz!
Bonança num areal que reluz pão
Em Procissão ao mar!
E tanta espuma branca, tanta
A desaguar .
No imaginário de qualquer criança!…
Mas sempre Calvário,
Gaivota a sangrar,
Portinho que bota a rede ao mar
Deitando vida a perder!…
Âncora Eterna,
De Vila Praia moderna
E Gontinhães antiga!
Ancora de Santa Maria
E Santa Marinha!
Âncora-flor
De madrugar coragem!
… O mais são estórias.
Num Livro de Memórias
Ao Pescador!
PONTE DE LIMA
A Teófilo Carneiro
Por sobre as águas, lentamente, rio acima,
Deixo meu berço em Viana,
Para reencontrar raízes, no coração da Ribeira Lima
Deslizam mil e um matizes nos milheirais,
E reluzente, o sino da velha ermida
Resiste ao tempo, a desmaiar sobre a linha do horizonte
Desliza Fontão em plena várzea:
Recordação d’infância em tons amenos.
Perfumada pela casa rústica de avós paternos…
Mais avante, unem-se as margens: estrada romana imperial;
E passagens, azuis e brancas, de Portugal!
Morena é Ponte de Lima, amuralhada em casco
Verde é a alameda; doirado o pão e o vinho da sua bandeira!
Paço, Torre, Solar, Turismo de Habitação.
Abraços entre vinhedos, e desfolhadas na eira,
Guardam segredos de tão remota e concorrida Feira
Com honras de nobreza em seu brasão!…
Arriba, S. João da Ribeira:
“Vila Flora”, onde hoje mora a saudade,
Que Mendes Carneiro, meu tio-avô, soube pintar…
E em Ponte de Lima pintou seu primo, Teófilo,
Naquele banco de pedra… tão antigo,
A metafísica dum tempo sempre enamorado!
Não sei cantar-te,
És de alma e corpo a luz da perfeição!
Só um vate apaixonado, como Bernardes, Teófilo, Feijó,
Pode pintar teu coração!… Nobre, leal
E mui antiga Vila em remansosas águas,
Antes e depois de haver Portugal!
PORTUGAL
Aguarelas tonificadas de verde,
Nas emoções profundas de quem as escolheu!
Águas claras,
Para mitigar nas Descobertas a sede,
Revoltas em bruma
Ao dobrar o Cabo das Tormentas
E da Fortuna!…
Azul e branco,
Campo ancorado, velas ao vento!
Vermelhas são as quilhas
Das caravelas em movimento…
E amarelas, de negro tingidas,
As bandeiras desfraldadas nas galés,
De quem, sendo mesmo Português,
Remou contra marés as suas vidas…
E pereceu!
Camões pintou Portugal
Em toda a sua extensão!
Sonho imortal,
Coragem, luta, determinação;
Alegria real e fortuita;
Paixão,
Angústia, degredo, desolação!…
Pessoa, em Mensagem,
Dá novo alento à coragem
Lusíada:
Voz que glorifica os corpos,
Projectando a Alma Universal!
Bocage, Sophia Andresen
E Jorge de Sena tecem
A grandeza de Camões,
Numa Epopeia acesa de incompreensões!…
Na poética das palavras nasce um rio:
Presente, Passado, Futuro…
É urgente conhecer
Alma-lusa… Lusitana!
Esculpir genuína identidade,
Transformando paginas de um drama
Num hino de ternura e de vontade!
AMIZADE
Sobre a beleza da Fraternidade
Em água corrente, cristalina,
Pouco se escreve.
O coração bebe as palavras
Que a razão não sabe
Separar das águas…
Só o sentimento de partilha
Ensina a escrever a Verdade!
HUMILDADE
Os Justos não têm idade:
São luz da Luz
Em plena harmonia!…
Os Justos são um fio d’ouro,
Que reluz na Terra
O seu tesouro:
A Cruz
Transportada com humildade,
Cultivando as raízes
Da Sabedoria!
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