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Em Verdade Vos Digo
Em Verdade Vos Digo inicia-se com um texto introdutório, num tom irónico e, como tal, provocador, referindo-se a Maria Madalena, escolhida “para servir de presencial testemunha da ressurreição do seu filho, Yashua de Nazaré…” Por quê uma mulher? Eis a pergunta que o atento leitor poderá começar por lançar!
Segue-se outro texto, a modo de dedicatória, não menos enigmático, mas assertivo, referindo-se a Bartimeu, o cego de Jericó.
O corpo do romance é composto por duzentas e oitenta e uma páginas, aconchegadas em trinta e um deliciosos e cativantes capítulos que nos conduzem por trilhos traçados entre uma “realidade histórico-bíblica” e a realidade ficcional (entre a História – o sagrado ou bíblico – e as estórias). É esta teia que, constantemente, se cruza e intercruza, que nos estonteia e nos fascina, que nos atropela e interpela e surpreende em cada página.
“No céu nem uma nuvem…só uma ave descreve uma lenta órbita…” Que ave misteriosa é esta que nos perturba enquanto leitores e às próprias personagens e que angustiará a vida de Heródes Antipas, tornando as suas noites gélidas e trespassadas por uma fragilidade surpreendente, após ter mandado cortar a cabeça a João Baptista, a pedido de Salomé. Um grupo de “doutores” parte em busca do original caminho para Emaús. Eis quando, inexplicavelmente, somem, na acepção da palavra” dois dos doutos “doutores”, ambos invadidos por um mesmo sonho que só mais tarde ousam comungar. Está gerada a confusão e a chama que alimentará todo o romance. Duas personagens são sucadas por uma espécie de “máquina do tempo” Há uma fusão de espaços e tempos e há uma série de quadros bíblicos, em junção com o fantástico imaginário, que afloram junto dos olhos do leitor, são as visagens por Jerusalém e pelos Lugares Santos, numa analepse de 2000 mil anos: João Baptista, o homem do deserto; o baptizado daquele a quem João Baptista diz: “- Senhor, sou eu quem devia ir até ti, e és tu que vens até mim?!…”; a “pesca” dos discípulos; as Bodas de Canaã; o episódio do Templo por Yeshua, aquando da expulsão dos vendedores; o encontro com Nicodemos; o episódio do poço de Jacob, o episódio do funcionário real de Canaã, prisão de João, o episódio da sinagoga, o “milagre” da expulsão de espíritos e da cura de paralíticos e cegos… Os nossos olhos passeiam outros tantos santos quadros… Yeshua está prestes a cometer uma grande blasfémia… os escribas e fariseus estão atentos… os “guardiões do Templo”… O cerco aperta-se:”- Judas, Judas, em verdade te digo que há muitas maneiras de imolar uma vítima e tu me entregas com um beijo porque, também, chegou a consumação da tua hora.”… Consoma-se o fim de Yeshua no madeiro… Surge a ressurreição… a morte dá lugar à vida. O Filho do Homem vence a morte, dando um novo rumo ao destino do ser humano. “… rodopia um vórtice de luz, de sombra… sabe que chegou , só não sabe onde chegou, a única certeza é que Yeshua lhe fez companhia na jornada de Jerusalém a Emaús e, também, o esperará no fim do caminho, quando o seu caminho acabar.” Desvanece-se a analepse de 2000 anos, tudo volta ao presente: “No céu nem uma nuvem, é uma superfície lisa, impenetrável, só uma ave descreve uma lenta órbita… Os dois “doutores” que desapareceram misteriosamente regressaram…
Eis um livro fascinante que nos embala em analepses e prolepses, personificações, comparações, adjectivações, aliterações, metáforas, hipálages…
Não é um “Evangelho Segundo Jesus Cristo” a maneira Saramagueana, não é um Nobel da Literatura… mas é, com certeza, um bom escritor alto-minhoto.
O Outro Domínio do Demónio
“Talvez o homem tenha cometido o verdadeiro pecado mortal quando retalhou a primeira rã e, com ela, fez a primeira experiência”…
A frase, dita por uma das personagens, remete-nos para uma realidade que, de tão comum, passa despercebida: as desviantes aplicações dos avassaladores avanços tecnológicos. Com as ferramentas ao dispor, não há fim que não se possa atingir. E se a ciência engendrou a cisão do átomo, clonou a matriz da vida e fabrica “armas” biológicas, porque não poderá desenvolver uma “pílula” para formatar sociedades? É desta terrível possibilidade que trata este romance.
E se, a uma empresa farmacêutica, chegasse uma enorme e tentadora encomenda de uma específica droga para tornar estéreis os casais de um país demasiado populoso? E se toda a máquina dos laboratórios trabalhasse para satisfazer o pedido dos governantes a braços com as insolúveis realidades da fome e da miséria extremas de milhões de criaturas? E se, repentinamente, o medicamento apresentasse terríveis efeitos secundários? E se a máquina dos ocultos interesses quisesse abafar a realidade calando o alarme das vozes incómodas?
Num mundo sufocado por dificuldades, a hipótese de poder acontecer não é possibilidade desprezível. No passado houve outras eugénicas tentativas. E o homem sempre cairá na tentação de utilizar os meios que tem à sua disposição para resolver os problemas presentes menosprezando danos futuros.
O Breve Reino dos Vivos
Este livro – ou uma grande parte dos capítulos – esteve presente a um concurso literário organizado pelo Sindicato dos Bancários do Centro. Arrecadou o primeiro prémio do Júri constituído por profissionais das letras e docentes da Universidade de Coimbra.
Tendo a guerra colonial como pano de fundo, a narrativa evolui em experiências plenas de ansiedade, medo e conquista de uma sobrevivência pautada sempre pelos gestos mínimos da manutenção da integridade física e mental, numa selva natural e humana onde se reproduzem os sentidos e a amargura de povos em luta sangrenta. A reflexão dos espaços físico e ande parte dos seus interior de cada homem preso nas teias de um conflito sempre estranho, fazem deste livro uma longa caminhada pelos valores da vida e a iminência constante de os perder. Pode considerar-se um romance pungente e doloroso.
Um Túmulo para Nicodemo
Os excertos que se seguem são pequenas frases que o autor coloca, em guisa de resumo, no início de cada capítulo, e nos permitem ter uma visão geral da narrativa.
1. Em que Óscar Scott viaja de camioneta e conhece os “Três Porquinhos”.
2. Em que Scott retoma hábitos antigos e o Juiz enuncia um outro personagem universalmente conhecido.
3. Em que a perversidade humana é tema de conversa e a morte violenta é encarada sob um perspectiva surpreendentemente benigna.
4. Em que a curiosidade leva Scott a empreender uma missão de espionagem e faz cruzar com padre predisposto a perdoar um pecado mortal.
5. Em que o “Convento” se revela um lugar pouco propício à ascese ou a pacíficos pensamentos.
6. Em que o Juiz procura um pulverizador; Oscar Scott entra na toca do lobo e Patrícia recebe um telegrama.
7. Em que as notícias circulam, o padre Nestor se faz convidado e o dia não acaba bem.
8. Em que o túmulo de Nicodemo Frade desperta mórbida curiosidade e o juiz toma, momentaneamente, o comando das operações.
9. Em que se verifica que a morte suscita benevolência e o Juiz, depois de uma furtiva exploração, recebe uma visita.
10. Em que o poço do “Convento” é novamente centro das atenções e o Juiz continua a adoptar um estranho comportamento.
11. Em que toda a gente tem uma história para contar; o Delegado se considera satisfeito com as declarações; e o Juiz não tanto como ele.
12. Em que, apesar da lei se desinteressar do caso, o Juiz se debate com um problema de consciência que o obriga a fazer uma investigação por conta própria.
13. Em que o Juiz continua a mostrar-se curioso e nem tudo é o que parece ser.
14. Em que Scott desiste do benefício da ociosidade; em que o Juiz faz uma operação aritmética, comete um erro por causa dela e resolve fazer um convite para jantar.
15. Em que a varanda do Juiz é palco de uma longa conversa e o Padre Nestor faz uma confissão.
16. Em que se pretende dizer a verdade, só a verdade e nada mais que a verdade. Em que o pano desce com dificuldade manifesta e Scoot considera algumas interrogações que julga conveniente não divulgar.
A Cripta
Os excertos que se seguem são pequenas frases que o autor coloca, em guisa de resumo, no início de cada capítulo, e nos permitem ter uma visão geral da narrativa.
1. Em que Óscar Scott é guiado por um homenzinho extravagante e se torna hóspede de uma mansão tão arcaica como ele.
2. Em que Scott conhece os anfitriões e é solicitado para avaliar o diário do padre Ebenezer Thorncliff.
3. Em que se desenterra uma história tenebrosa e em que se admite que ela pode ser mais abstrusa do que parece.
4. Em que Óscar Scott e Dick Ballinger têm uma longa conversa e são testemunhas de uma tragédia.
5. Em que se admite a existência de sombras em Lochmaben e Sir Edward, em desespero de causa, as desafia.
6. Em que Scott procura algumas revelações no mausoléu dos MacDouglas e acaba por encontrá-las nos subterrâneos de Lochmaben.
7. Em que Óscar Scott não dorme bem; Em que os vivos de Lochmaben começam a movimentar-se; e em que Sir Edward troca filosóficas considerações com Scott e lhe pede um favor.
8. Em que Scott se embosca nos jardins de Lochmaben; em que uma criatura indeterminada o atrai para uma armadilha e a aventura se consuma junto do mausoléu.
9. Em que Scott possui motivos de perturbação e em que, depois de se ter descoberto um túmulo sem morto, se descobre um morto sem túmulo.
10. Em que Scott tenta racionalizar suspeitas e em que, apesar de tudo, não consegue escapar a um pormenor terrivelmente perturbador.
11. Em que, enquanto Dick Ballinger vai a Dunkeld, os locatários de lochmaben se envolvem em polémica acerca do diáriode Ebenezer Thorncliff e Lora Loy faz dois pedidos de igual teor.
12. Em que um pouco de sol convida ao ar livre e em que todos falam de Cuthbert.
13. Em que a Lei dá os primeiros passos em Lochmaben e em que se volta a falar na ponte fatídica.
14. Em que cada um diz o que sabe e se verifica que não se sabe tudo.
15. Em que Scott cheira um odor peculiar e comprova o isolamento de Lochmaben; e em que, depois de conversar com Dennis Loy, faz uma pergunta vaga e Ballinger dá uma resposta surpreendente.
16. Em que Óscar Scott descobre que algumas das sombras de Lochmaben não lhe pertencem; em que Raven descobre vestígios perturbadores; e em que, ainda se sempre, as sombras do solar são mais fortes que quaisquer outras.
17. Em que se executa uma macabra tarefa; em que Scott passeia até ao mausoléu e faz uma descoberta; e em que, depois disso, apresenta um pedido aparentemente despropositado.
18. Em que Dinnis Loy faz uma surpreendente requisição e em que o mausoléu de Lochmaben se revela a antecâmara de um abismo escuro, profundo e muito antigo.
19. Em que dois pedaços de tecido se ajustam e em que alguém enterra uma cunha de madeira no coração de um homem.
20. Em que um homem morto numa época tinha, afinal, algo mais a contar.
21. Em que, depois de muita discussão, se reconhece que as trevas do passado são imorredoiras e podem projectar sombras sobre o presente.
Livros relacionados
Culpado me Confesso
APRESENTAÇÃO GLOBAL
Culpado me Confesso é uma narrativa autobiográfica em dezasseis capítulos, antecedidos de um prólogo. Precede a narrativa propriamente dita uma dedicatória, em que o autor oferta a obra aos seus filhos (um biológico e outro afectivo) e a todo o ser humano portador de uma qualquer deficiência, e que, malgrado esta, ousa lutar e vencer. Ainda antes da narrativa, o leitor depara-se com um texto em verso que constitui o mote da mesma e, de certa forma, marca a antítese passado/presente na vida de José Leones Lima, confrontando o leitor com a efemeridade da vida e fazendo-o constatar que não é mais do que um “bicho da terra tão pequeno”, perante a força do tempo, do destino ou simplesmente do acaso.
Na badana da capa, encontra-se um excerto de um dos escritos de Albert Einstein e na contracapa uma apreciação crítica à obra.
LINHAS TEMÁTICAS
Tratando-se de uma narrativa autobiográfica (conquanto nos seja referido na página em que se encontra inserida a dedicatória que se trata de uma “obra de ficção” e que “qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência”, o que o narrador/protagonista vai desmentindo ao longo da narração), a linha temática geral de Culpado me Confesso é constituída pelas vivências do autor, com enfoque especial para as circunstâncias que motivaram o acidente ocorrido durante a sua estada, por motivos profissionais, num país do continente africano, que nunca é identificado, e do qual resultou a paraplegia.
Dispersos pela obra, identificam-se, no entanto, três temas fundamentais, que o autor faz questão de destacar dos demais, todos analisados segundo o seu ponto de vista, muitas vezes deixando transparecer uma certa ironia, outras uma profunda raiva, outras ainda um misticismo e um desejo de comunhão com o infinito e a divindade que, segundo Leones Lima, está na origem do mundo, da vida e do ser humano. São esses temas: a mulher (como profissional e afectivamente), a luta do deficiente pela sobrevivência e Deus (o Arquitecto Supremo). É com o relato do momento mais dramático da sua vida (sábado, dia 13 de Dezembro de 1997) e das consequências físicas, psicológicas, sociais e afectivas posteriores que o autor inicia a narrativa e ao qual dedica, em sequência temporal linear, por vezes interrompida por analepses e prolepses, os primeiros nove capítulos, não se abstendo também de fazer comentários e reflexões sobre as temáticas dominantes na obra, assim como algumas outras que nela são afloradas: Deus, sua omnipotência e a religião; o egoísmo humano; a visão, o mais das vezes errada, que a sociedade desenvolve de um deficiente motor (paraplégico); a própria vida; a força do destino e a mulher.
No décimo capítulo, usando uma analepse, a narrativa recua até à infância do narrador, para prosseguir com a narração dos acontecimentos mais marcantes dos anos que antecederam a viagem a África, terminando com um grito de esperança de que, apesar das vicissitudes que a vida lhe destinou (e continuará a destinar?), acredita firmemente que vencerá.
Merecem destaque especial, nesta narrativa, os momentos em que José Leones Lima nos transporta para o continente americano e nos coloca em contacto com as paisagens paradisíacas do Amazonas e tribos selvagens que aí habitam, suas crenças, lendas e modos de vida (capítulo XI), assim como quando nos dá a conhecer a situação política e social vivida na Venezuela nos anos 80 e 90 do século XX (capítulo XIII) ou ainda quando informa sobre as propriedades medicinais de alguns frutos (capítulo III). De salientar, também, que, ao longo da obra, o narrador/autor interpela frequentemente o seu narratário, convidando-o a recordar passagens anteriores, a reflectir sobre o relato e comentários que o acompanham. Deixa no ar questões, pretendendo que as mesmas se transformem em pontos de meditação para o narratário/leitor.
VISÃO GLOBAL DE CADA CAPÍTULO
Capítulo I Razões familiares, sentimentais (principalmente) e profissionais levaram o protagonista a aceitar o convite para trabalhar num país do continente africano. A estada que, a princípio, seria de alguns meses, acaba por se prolongar por três anos e, dois dias antes do regresso, aquando da realização do último trabalho, eis que sofre um brutal acidente que o deixa paraplégico.
Capítulo II Acordando de um estado de quase morte e lutando com todas as forças para resistir ao abismo que constantemente o convidava a claudicar, o protagonista é transportado a um hospital local onde é intervencionado cirurgicamente. Aí recebe a notícia de que havia fortes hipóteses de ficar para sempre dependente de uma cadeira de rodas. A dor de tal constatação aliava-se a outra ainda maior: a de comunicar à família a ocorrência e as consequências que daí adviriam. Assim se passam doze dias, tempo que mediou entre o acidente e a viagem de regresso a Portugal.
Capítulo III A chegada ao aeroporto traz consigo o primeiro contacto com a família, sobretudo com a esposa e filho, então com dez anos, recusando-se este a aceitar que o protagonista era, de facto, o pai que ele conhecera. É internado no hospital de Santa Maria, em Lisboa e submetido a várias intervenções cirúrgicas, a primeira das quais com o intuito de debelar um problema respiratório devido à rotura, em dois locais diferentes, do diafragma. Três meses volvidos, regressa ao Alto Minho, onde é internado numa unidade hospitalar da zona. Aí, depois de várias peripécias que o protagonista relata, e após alguma preparação, que o próprio considera insuficiente, para enfrentar o mundo com a sua nova condição “ de deficiente”, volta a casa. Estava-se em Julho de 1998. Sujeito, como a maioria dos deficientes motores, às chamadas úlceras de decúbito, também estas acabam por conduzi-lo a novos internamentos, alguns dos quais se prolongaram por vários meses.
Capítulo IV Fazendo uma pausa na autobiografia, todo o capítulo é dedicado a reflexões e considerações sobre a vida do deficiente, a visão que dele tem a sociedade e o tratamento de que é alvo por parte dessa mesma sociedade.
Capítulo V Voltando à narração autobiográfica, o protagonista dá-nos conta dos esforços desenvolvidos no sentido de se tornar autónomo e de voltar a ser o pilar e base de sustento da sua família. Refere os problemas de saúde que lhe advieram devido ao trabalho desgastante que desenvolveu, a indiferença da família próxima (quiçá o desrespeito pela sua pessoa e direitos familiares) e a greve de fome que foi obrigado a enfrentar, durante vinte e cinco dias, como única medida capaz de lançar sobre si o olhar de uma sociedade incapaz de lhe prorrogar um prazo para pagamento de uma dívida de IVA.
Capítulo VI Situando-nos temporalmente no início de 2004, o capítulo é dedicado à ruptura do seu casamento e razões que motivaram tal decisão. Alude-se, de passagem, a mais um internamento hospitalar a que o narrador já tinha feito referência anteriormente.
Capítulo VII Depois de referir uma primeira relação afectiva “platónica” com alguém também frequentador do site dos Deficientes Activos, após ter deixado a casa onde residia, o protagonista dá-nos a conhecer momentos de uma segunda relação e as causas que determinaram o seu desenlace.
Capítulo VIII Novamente no hospital, neste capítulo, o leitor é confrontado com o quotidiano desta unidade de saúde, filtrado pela análise subjectiva de quem viveu e sentiu os acontecimentos relatados. Os diversos procedimentos do corpo de enfermagem, as atitudes de certos médicos e outros aspectos da rotina vivida num espaço desta natureza são-nos apresentados, por vezes, num tom irónico, noutras, revestidos de uma ponta de dramatismo, deixando transparecer uma imagem nem sempre elevada de quem se dedica à saúde.
Capítulo IX As barreiras com que Leones Lima se depara após a alta hospitalar (procura de uma casa cujas condições estejam adaptadas a um paraplégico e a sua vida até conseguir um apartamento com tais características, as diligências efectuadas para conseguir um emprego que lhe permita subsistir) constituem o fulcro do capítulo, em que há ainda espaço para nos transmitir a imagem que, segundo o narrador, a sociedade tem de um paraplégico e as capacidades que este possui efectivamente. Uma vez mais o leitor é levado a reflectir sobre os cuidados e atenção que o ser humano (não) dedica ao seu semelhante portador de uma deficiência, o mais das vezes votado ao esquecimento, até por parte da própria família. Para melhor marcar a diferença entre o procedimento do homem e o dos animais relativamente ao seu semelhante, o protagonista recorda as atitudes dos gansos durante as suas migrações, sobretudo quando algum elemento do bando se encontra ferido e não pode seguir a rota de migração juntamente com as outras.
Capítulo X Surge, neste capítulo, a grande analepse da obra. Nele somos enviados para as origens do protagonista, sua infância (passada esta no seio de uma família que valorizava sobretudo o trabalho braçal dos seus membros e menosprezava aqueles que elegiam o conhecimento e a curiosidade intelectual e científica como uma prioridade), adolescência (com a primeira tentativa frustrada de saída do ambiente familiar), primeira juventude (vivida em Setúbal, onde contacta com o movimento hippie), terminando no momento em que decide assinar o contrato de trabalho que o conduzirá até à Venezuela.
Capítulo XI Entremeando a narrativa autobiográfica com algumas descrições, o narrador autodiegético leva-nos a conhecer a maravilhosa selva amazónica, rica em vegetação luxuriante, local onde passou férias inesquecíveis, em contacto com as tribos índias que aí habitam. Tal contacto possibilitou-lhe o conhecimento de lendas e crenças em que esses povos acreditam e que têm passado de geração em geração. Regressando à sua autobiografia, salienta o trabalho desenvolvido na Venezuela, realçando o estado de quase morte em que ficou um dos técnicos que com ele trabalhava e como o conseguiu superar, algumas das suas vivências afectivas, culminando no seu casamento com “a morena mais linda que jamais vira”.
Capítulo XII A primazia dada ao percurso profissional do protagonista, em terras venezuelanas e o enfoque dado aos seus ídolos (Isaac Newton, Robert H. Goddard, Michael Faraday, james Clerk Maxwell e, acima de todos, Albert Einstein), levam o narrador a lançar mão uma vez mais a analepse para se centrar, novamente, na sua infância e relatar episódios dos quais emerge a força de vontade para conseguir vencer a oposição familiar que lhe era movida, sempre que tentava informar-se, através da leitura, sobre assuntos que lhe despertavam interesse. O contacto com literatura de temática científica, sobretudo na área da electricidade e electrónica, permitiu-lhe a aquisição de novos conhecimentos e a realização de experiências rudimentares, mas que serviram para que ele próprio testasse as suas capacidades e apetências para a área da sua predilecção. Nas páginas finais do capítulo, são-nos narradas algumas peripécias que antecederam o nascimento do filho.
Capítulo XIII Deixando transparecer o grande amor e toda a emoção que se vive aquando do nascimento de um filho, o narrador apresenta-nos páginas em que a criança e os seus primeiros anos de vida se tornam o centro do seu mundo. Além deste aspecto e vivendo-se o início dos anos 90, época conturbada na Venezuela, é-nos igualmente narrado o estado caótico em que o país vivia, levando o protagonista e sua família, também eles vítima do saque e do vandalismo da população, a equacionarem verdadeiramente a hipótese de regresso a Portugal, acabando por concretizá-la.
Capítulo XIV O regresso à terra natal e o processo de aculturação, tanto por parte do protagonista, como da esposa, habituados a outro ambiente sócio-cultural, com padrões de vida totalmente diferentes dos vigentes entre a população rural do Alto Minho, são aspectos que sobressaem neste capítulo. É ainda o momento em que o narrador nos confidencia mais algumas feições da sua vida profissional, cujo desenrolar acabará por culminar com a aceitação do convite de trabalho em terras africanas. Ao longo das páginas deste capítulo, são vincados também aspectos relacionados com a hipocrisia social e com o egoísmo e a inveja humanas.
Capítulo XV Quase no terminus da sua autobiografia, José Leones Lima construiu este capítulo à volta do péssimo ambiente de trabalho que o rodeava, o qual veio a motivar a rescisão do contrato e a opção de trabalhar por conta própria.
Capítulo XVI No epílogo da narrativa, o leitor toma contacto com mais alguns factos que despoletaram a aceitação da viagem ao continente africano e é conduzido ao momento em que a narração principia: o acidente aquando da verificação da maquinaria que uma empresa vendia para um Ministério de um país de África. O autor conclui a obra com um agradecimento a todos quantos leram a sua narrativa, deixando-nos a sua certeza de que, apesar de todas as adversidades, está convicto de que vencerá.
Quando o Velho Fauno Sentiu o Empurrão da Morte
Fausto Bezerra Velho, professor primário e apreciador das putinhas da ladeira do Senhor do Alívio, manteve-se solteiro até à idade de 48 anos. O que leva este homem a casar com Maria do Resgate, 32 anos mais nova? E depois, por que se envolve, sucessivamente, com mais três criaditas, todas elas mal ataviadas na sua adolescência, até que um dia a morte lhe faz sentir o empurrão inevitável?
Desenrolando-se nos anos 30, quando Salazar começava a algemar a liberdade dos portugueses, esta novela é a memória de um tempo passado e dos seus equívocos.
O júri do Prémio Manuel Teixeira Gomes, ao distingui-lo, considerou Quando o Velho Fauno Sentiu o Empurrão da Morte «uma escrita delicada, quase etérea e, contudo, forte e profunda»
(In Contracapa do livro)
Ermida
A personagem principal desta narrativa – Edmundo – convida-nos a percorrer os caminhos sinuosos do real e do imaginário em busca de uma verdade superior. Nesta viagem ao mundo interior, esta personagem, insatisfeita por natureza, confia-nos algumas das suas inquietações filosóficas e põe a nu as incongruências da sociedade em que vive, desde a justiça à política. Como todo o ser humano, revela-se ele próprio como um homem de paixões, desejos e sonhos.
Janus
Dado o número de atributos que lhe eram conferidos, Janus foi considerado um dos deuses mais proeminentes do panteão romano. Era o deus das partidas e das chegadas, do dentro e do fora, do início e do fim, do passado e do futuro… Segundo a mitologia, governou no Lácio num período de grandes desenvolvimentos científicos, facto pelo qual passou também a simbolizar a mudança entre a vida primitiva e a civilização, entre o obscurantismo e a ciência. Em razão desta dualidade de facetas, os romanos representavam-no com duas faces, cada uma olhando em direcções opostas. JANUS é também o título desta ficção e o nome atribuído pelo autor ao programa de astrologia, acessível através da rede, que será o elemento desencadeador de toda a intriga. Tal como o deus romano, o programa JANUS tem duas faces. Se por um lado representa “o poder de computação dos modernos processadores informáticos” ao serviço dos interesses humanos, por outro revela-se como algo de obscuro, enigmático que só será desvendado como o decorrer da acção. Este é, aliás, o objecto central de toda a narrativa: duas personagens que procuram perigosamente descobrir o que se esconde por detrás desta tecnologia. Os temas abordados, violação de privacidade, manipulação de dados através da informática, são bem actuais e cada vez mais do interesse do homem moderno. Na verdade, embora o autor, logo nas notas iniciais, faça questão de advertir o leitor que as personagens do romance são fictícias e que qualquer semelhança que possa existir com a realidade é pura coincidência, pela rápida evolução dos meios tecnológicos e da informática, os acontecimentos relatados poderiam bem ser reais. Sem recorrer a termos demasiado técnicos, como seria de prever num romance deste tipo, o autor, através de uma linguagem muito acessível, duma estrutura narrativa excelente e de uma enredo envolvido de suspense, consegue cativar o leitor de princípio a fim.
O Outro Domínio do Demónio
“Talvez o homem tenha cometido o verdadeiro pecado mortal quando retalhou a primeira rã e, com ela, fez a primeira experiência”…
A frase, dita por uma das personagens, remete-nos para uma realidade que, de tão comum, passa despercebida: as desviantes aplicações dos avassaladores avanços tecnológicos. Com as ferramentas ao dispor, não há fim que não se possa atingir. E se a ciência engendrou a cisão do átomo, clonou a matriz da vida e fabrica “armas” biológicas, porque não poderá desenvolver uma “pílula” para formatar sociedades? É desta terrível possibilidade que trata este romance.
E se, a uma empresa farmacêutica, chegasse uma enorme e tentadora encomenda de uma específica droga para tornar estéreis os casais de um país demasiado populoso? E se toda a máquina dos laboratórios trabalhasse para satisfazer o pedido dos governantes a braços com as insolúveis realidades da fome e da miséria extremas de milhões de criaturas? E se, repentinamente, o medicamento apresentasse terríveis efeitos secundários? E se a máquina dos ocultos interesses quisesse abafar a realidade calando o alarme das vozes incómodas?
Num mundo sufocado por dificuldades, a hipótese de poder acontecer não é possibilidade desprezível. No passado houve outras eugénicas tentativas. E o homem sempre cairá na tentação de utilizar os meios que tem à sua disposição para resolver os problemas presentes menosprezando danos futuros.
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