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Sem Chaves Nem Segredos

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"Recolhia-se a tarde, numa aleluia de Páscoa, quando o meu primeiro grito de vida se anunciou na simpática aldeia de Campos, bem perto da Galiza, banhada pelo cantábrico Minho, em vila Nova de Cerveira. Corria o ano 52 e o dia era o sexto do mês de Abril. Adelaide Graça, de Maria Adelaide Gonçalves Graça, é o meu nome de combate. Acompanha-me sempre. Comigo se sentou nas carteiras da Escola Primária de Campos e depois nos bancos da continuada formação académica: Colégio de Valença, Liceu Nacional de Viana do Castelo e Escola Secundária em Viana do Castelo, onde concluí o 12º ano. O gosto pela leitura e pela escrita revelou-se-me cedo. A biblioteca era a itenerante; a escrita fazia-se nas muitas cartas que escrevia. Tinha sempre a quem escrever. Na idade adolescente emergiram os primeiros gritos poéticos. Desabafos inocentes. Mas, eram gritos. Na clandestinidade duma educação colegial, uma parte do meu jeito de escrever era aproveitado para dar resposta a cartas de amor que algumas colegas recebiam. Os meus anos de criança e de juventude foram pautados pela amenidade dos tempos. Correrias, as de brincar. Sempre rodeada de amigos, as férias gozava-as na beirada do rio, em caminhadas pelos montes, em piqueniques, pelas festas e bailes da paróquia mais os que se inventavam… Entretanto, os poemas aconteciam à medida do crescimento. Guardava-os na gaveta. A gaveta dos afectos. E o meu nome acompanhava-me no sonho de um dia ter um livro publicado. E acompanhou-me como colaboradora em programas culturais e de entretenimento na Rádio Clube de Cerveira, na Festa da Cultura dos Trabalhadores dos CTT/1992, em Viana do Castelo, como membro da Direcção do CDCR (Centro de Desporto, Cultura e Recreio) do pessoal dos CTT., como membro da comissão do 7º Convívio DRTN (Direcção Regional de Telecomunicações do Norte) 1987, em Viana do Castelo. E, como também me faço acompanhar pela naturalidade das coisas, no decorrer da minha caminhada quase transbordou a minha gaveta dos afectos: fui Mãe. Três vezes Mãe. Em 1998 retirei da gaveta os primeiros poemas e, mais uma vez, o meu nome me acompanhou na conversão do sonho em realidade: “Limites da Razão” - Edições APPACDM / Distrital de Braga. Três edições. E… Em 2000 “Quando Parece Parar” – APPACDM. Em 2002 “No Vão da Ausência” – APPACDM. Em 2005 “ Sem Chaves nem Segredos” – SeteCaminhos O meu nome está presente nos Cadernos Vianenses, edições da Câmara Municipal de Viana do Castelo: - Tomo 29, em “A poesia Vianense após 1974” / 2000 - Tomo 30 em “Antologia dos poetas vianenses” e em “Para uma identificação da poesia regional vianense” /2001 - Tomo 31 “Ao teu encontro na poesia das montanhas” (poesia) /2001. Colaboro com alguns jornais e revistas regionais, sou sócia da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Alto Minho e da APE (Associação Portuguesa de Escritores Adelaide Graça"
Autor:

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ISBN

989-602-061-2

Prefácio:

Capa

Ilustração

Prefácio

Carta aberta à amiga Adelaide Graça

(notas avulsas, em jeito de incompleto prefácio)

Cara amiga: Pediste-me um texto que abrisse o teu livro sem chaves nem segredos. Que seria fácil. Que eu já tinha os teus anteriores. Tinha, não tinha? Então, que eu escrevesse um prefácio a este grito de afectos. E eu, que tenho os teus livros, optei por os não acordar. E não os reli. Que um texto tem de valer por si. Que um filho cria caminhos com encruzilhadas que o pai não percorre.

Ora o teu livro, Adelaide, é já dono de seu percurso. Pudera, não? Filho da madureza, traz ao fórum outras nortadas e seria desrespeitar-lhe a epígrafe enfrentá-las: “não perturbemos o silêncio. / Passeemo-nos nele sem calcarmos / demasiado o chão”. O barulho de outros chãos pisados, de outras memórias que as palavras carregam, é ensurdecedor para a solidão da escrita, para “os caminhos do silêncio / que são os da poesia” . E tu não queres que esventremos, por completo, o chão das palavras, das coisas, dos afectos. De ti. O chão da tua caminhada.

Nem eu! Que a poesia degusta-se. Tão apenas. E o ADN? O ADN? Ah, pois, o ADN. Oh minha cara Adelaide Graça: aos críticos literários, médicos-legistas do verbo, competirão os rotineiros exercícios do público esquartejar do tecido em busca de esconsos fonemas e semas. A mim bastará o fruir. A mim, poeta amiga, apetece-me, como a ti, “parar nos sítios / que me olham, / que me entendem, / olhar outros céus, / entrar noutros mundos, / sugar a raiz das coisas” . Assinzinho. Tão-só. Que tudo o resto me sabe a devassa.

Eis porque eu, que não sou homem de incumprimentos, ordenei-me: não se polua, pois, o silêncio.

Mas há sempre algumas vozes nas palavras que o poeta não apagará.

Adentrei-me um pouco mais e o primeiro poema, logo-logo me advertiu, sem chaves nem segredos, que o livro é, antes de mais, um livro ” de afectos que emolduram afectos” , afectos que se enraízam na nossa memória e circunstância, ” neste chão de terra, de rio, de mar / onde o rasto das vozes se eterniza”.

Por isso buscas despersonalizar-te, esvaziar a mente, embora reconheças não ser “fácil este esvaziar” na escrita de uma ” poesia livre desnudada (…) pois só nós que somos o rasto(…) e estamos nos afectos ” , só nós saberemos escutar as vozes do silêncio.

Mas nós, quem? Os poetas? Os amantes? Nós, os que vivemos e os que já viveram, que ninguém é sozinho por condição. O chão da nossa caminhada resulta das nossas leituras da circunstância. O rasto resulta do caminho construído, pedra sobre pedra, palavra sobre palavra. Como pegadas na areia. A poesia, filha dos nossos afectos, resulta de todo o nosso corpo. A poesia é, por isso mesmo, puro erotismo.

Mas o rasto de cada um é de cada um e dos outros também. E o teu, amiga, é de ti e de um tu omnipresente em todo o chão do teu caminhar. Um tu que te faz de novo sonhar quando te fala de afectos. Depois do silêncio e dos afectos, descobri a tua peregrinação: “nunca saberás o quanto desejei ter-te / na alcova dos meus braços, / no lençol da minha pele, / na peregrinação da minha nudez”. Andarilha de cheiros e sabores , percorres o desdobar dos dias ” com a naturalidade de um novelo que desliza pelo chão da vida” e nas coisas saboreias o beijo quente do TU que será mar, ave, voo de outros voos “na libido encarcerada / no tombar da vida” que, não raro, nos lembra uma montanha russa onde o nós se cumpre na “cachoeira do existir” . Escreves como quem vive nesse jogo de fúrias e medos onde a corrida nos iça ao topo do mundo para loguinho nos anunciar a adrenalina do desfiladeiro. Na montanha russa, as carruagens sucedem-se, não se ladeiam ou se encontram. E circulam na segurança dos carris. Assim a tua escrita e os afectos deste livro. És peregrina do espaço, andarilha do tempo, caminheira dos corpos e do amor. E quantos exemplos, amiga poeta: “levanto-me deste chão / (…) nesta viagem que se nos oferece maga e tranquila” ; ” gemem as pedras desencontradas / nos caminhos gastos e carcomidos / entremeadas de passos andados / de pegadas escritas / no deambular do tempo” ; ” Passeiam-se os dedos pelo beijo colado / nos meus lábios. / Há marcas meigas silenciadas / que tu e eu guardamos no seio do tempo” ; “quiseram que fossem rua os caminhos / da minha aldeia. / Cheiram a mosto agora que o Outono chega manso” ; “Quente e fervilhante a tarde, despe-se no espreguiçar do momento. / A viagem pelo tempo oferece-se saciada nos recônditos / da mordomia ancestral” ; “Este é nosso mar! / O mar de Moledo, de Caminha, / de Bayona, de Vigo, / de Carreço, de Afife, de Âncora”.

Todo este peregrinar na busca do silêncio e no saborear dos afectos nos fala dos teus encontros e desencontros e, sem chaves nem segredos, se é um livro de afectos é um livro de amor.

O teu percurso de peregrina na busca do silêncio e dos afectos, justifica-se pela busca do outro, do que faz com que renasças cada dia, cada momento em que te acaricia. Mas sabes o que me é mais enternecedor? É que a circunstância, que para tantos é um árido despovoadro está, para ti, grávida de afectos. O tu, o teu, o te, o nosso, o nós é um outro, um tu imanente ao mundo, às coisas: ao rio, à fonte, ao mar, à árvore, à aragem, à ave, ao voo da ave, à cidade, ao campo, à estrada, à essência de vinagre, aos gatos que “te vigiam os passos”.

O teu nós construiu-se, estação-a-estação, no “espaço imensurável onde moram os sonhos”, embora, às vezes, o amante me pareça um tu já longínquo pois ” emerge do tempo o crepúsculo do teu amor / em mim”; talvez por isso fales de um outro inventado: “continuo a não saber quem és. / Inventei-te. / És um projecto do meu amor. /Amo-te”. Eis porque, aqui e ali, vislumbro alguma nostalgia, alguma tristeza: “nunca saberás o quanto desejei”, “não te encontro em lado algum meu amor, / apenas dentro de mim como barco ancorado / num pedaço de mar sem maré. / Maré vaza. Maresia de ti”.

Como é, amiga? Sabes o sabor e o cheiro das coisas, tão-tão? Que receias, pois? Que ele não seja o que pensas? Mas se lhe sabes o corpo? E o respirar? Mas se vive em ti, maresia de carícias? Pois! Estás cansada das ” pedras gastas e desencontradas” e necessitas do outro para calcorrear a ladeira da montanha russa, contigo, na tua carruagem, porque a vida é uma canção que sozinha não sabes cantar. E achas que nós sabemos? Eu sei que necessitas dos encontros, que eles te são necessários. Eu sei que na “Páscoa dos corpos” e dos sonhos encontramos a divina tranquilidade. Lembraste-me Unamuno e Florbela. Lembrei a necessidade do reencontro do eu com o mim.

Sabes, amiga: chegamos ao mar alto onde a fúria da rebentação se sente de outro jeito. Serenamos “com o estralejar da lareira”, a “quentura da água” e “a poesia arrebatadora”. Eis porque me não admirou a tua segurança e entendi o nem sempre acederes ao tu para ver a lua . Eis porque me não espantou a tua certeza de que procuras, mas nunca te perdes. Sempre te reencontras. E aqui, outra gostosura: onde te reencontras? Na árvore que baloiça ao vento, no vento que te desnuda e te faz entender a matura idade. Já não te magoam os desencontros. Agora, mãe, mulher e amante, pertença de todo o mundo, permites que a poesia aconteça, que a vida continue, que os afectos floresçam, que o silêncio engravide o tempo de esperança. Agora é o outro que te inunda, e deixas que o faça. Assim. E depois és ele, um ele universal, um ele desprotegido, um ele salvador e juntos caminhareis, sossegadamente, caminhos de antiquíssimos rituais.

Gostei do teu livro, poeta. O telefone tocou. Eras tu a pedir-me o preguiçoso texto. Fica, pois, por aqui, esta carta, já longa e plena de notas avulsas.

Um beijo amigo e uma ideia de Ricardo Reis:

” (…) não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos,
passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
e sem desassossegos grandes “.

Meadela, 6 de Junho de 2005
José Luis Carvalhido da Ponte

Excertos

Afectos

Afectos que emolduram afectos. Ninguém mais os vê.
Só nós que estamos aqui nos afectos. Nós somos os afectos.
Estamos todos neste chão de terra, de rio, de mar,
onde o rasto das vozes se eterniza. E se escuta.
Mais ninguém o escuta. Só nós que somos o rasto.
Rasto lampejante. Imortal.
Estamos todos aqui.
Mesmo os que já não estão.

Conhecer-te

Apetece-me parar nos sítios
que me olham
Que me entendem
Olhar outros céus
Entrar noutros mundos
Sugar a raiz das coisas
Entrar pelas entranhas da natureza
Não sei se quero que vás comigo
Sei que me apetece conhecer-te
Ter-te
Respirar-te
Inalar-te
Esvaziar-me
E…
Voltar a ter-te
A respirar-te
A inalar-te
Voltar a encher-me.

Retrato

Não tenho uma raça
Tenho todas as etnias
Não tenho idade
Tenho todas as idades
Não sou de ninguém
Sou de todo o mundo
Tenho princípios, tenho amor
Tenho causas, tenho ideais
Tenho sonhos
Não tenho terra
Tenho origens, tenho memórias
Tenho Universos, tenho vidas
Sou gente. Animal. Coisa pensante
Sou riso e pranto. Sou mãe
Sou mulher
Sou amante.

Maresia de ti

Não te encontro em lado algum meu amor
Apenas dentro de mim como barco ancorado
Num pedaço de mar sem maré
Maré-vaza. Maresia de ti
Corpo saciado lambido por mim dentro de mim
Não te encontro em lado algum meu amor
Apenas nos sítios perto de tudo onde o nada aflora
vigoroso
Prende-se-me o olhar nesse mar cheio de viço
na vontade de te ter.

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