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No espólio de Juvenal e noutros

O autor divide o livro em duas partes:

1. A 1ª , No Espólio de Juvenal, dá o nome à obra e é composta por 30 sonetos onde Amadeu Torres satiriza usos e costumes do seu Portugal contemporâneo. Assim passam por nós, a “Santa esquerda”, a “Des-história estrelada”,l “O virgulismo”, “o riso aquém do siso”, o “surrealisquestão”, “os ridículos”, etc.

2. A 2ª , E noutros, divide-a em dois momentos. Chamou ao primeiro, com 20 sonetos, Flauta de Pã, e aí evoca Sebastião da Gama, José Augusto Seabra, o maestro José Pedro, Mario Luzi, o Aurora do Lima, Mariana Pineda, o Gerês, Sintra, etc.

O 2º momento, Avena Rústica, compõe-se de quintilhas, em redondilha maior, dedicadas a personagens típicas de Vila de Punhe: O Chico Vila Fria, o Tio Manuel Farofa, O Tio António Belicha, a Tia Engrácia Caixeiro, o Tone Teclo.

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Conheça o autor

"AMADEU RODRIGUES TORRES nascido em 1927, em Vila de Punhe, Viana do Castelo, estudou nos seminários diocesanos de Braga. Uma doença súbita e grave colocou-lhe em risco a vida e a prossecução dos estudos, tendo sido internado no sanatório de Coimbra, onde escreveu grande parte dos seus poemas juvenis. Estudioso afincado e inquieto, além da poesia ( que assina com o pseudónimo CASTRO GIL), ocupou as horas de ócio em estudos linguísticos e literários. 30 anos mais tarde licenciou-se em Filosofia e pouco depois se doutorou com tese sobre Damião de Góis. Tem uma obra imensa. Logo na convalescença, em 1948, editou O meu Caminho é este e O sonho de um castelo, que foi Prémio Nacional de Poesia. Seguiram-se-lhe inúmeras outras obras. Entre elas destacamos: Auto Alegórico das Rosas, (com música de A. Lapa) Coimbra, Quinta dos Vales, 1950; Dia de Anos (com música para coro a 5 v.m. de M. Faria Borda), Braga, 1953; Barcarola (com música a 4 v.m. de M. Faria Borda), Braga, 1954; Vaticanum Alterum (ode sáfica, 1962 e versão portuguesa) Braga, Ed. Humanitas, 1963; Dulce Lovanium (ode alcaica e versão portuguesa), Braga, Ed. Humanitas, 1971; Hino de S. Tomás de Aquino (1944) com música de Benjamim Salgado, Braga, Ed. Humanitas, 1974; Carmen Fatimale ( em 8 línguas, musicado para coro e orquestra por J. Santos), Braga, Empr. Diário do Minho, 1982; Carmen Hemisaeculare (em louvor da Academia Portuguesa de História), Braga, Empr. Diário do Minho, 1987; Iubilaei Cármen in honorem Prof Costa Ramalho, Braga, Empr. Diário do Minho, 1993; Álbum de Família (Colaboração de José Torres e Alípio Torres), Braga, Barbosa e Xavier, 1995; O Sonho do Infante ( interpretado em cantata por J. Santos, para Coro e Ballet), Braga, Ed dos Autores, 1998; A Fonte de Hipocrene Cinquentando , Braga, Ed. Humanitas, 1998; Em Louvor de Viana e Outros Poemas, Braga, Ed. Humanitas, 1999; Caminhos de Emaús, Braga, Ed. Humanitas, 2000; Hino de Braga ( em colaboração com o musicólogo João Duque, para Coro e Orquestra ou Banda) , Braga, APPACDM, 2000; E Mais Mundo Não Houve , Braga, Ed. Humkanitas, 2000; Viana do Castelo e Outros Poemas / Viana do Castelo and Other Poems, Viana do Castelo, CER, 2001; E Mais Mundo Haverá / And More World There Will Be, Viana do Casstelo, CER, 2002; Antologia Poética de Castro Gil (Org. e Pref. de A.A. Abreu), Viana do Castelo, Câmara Municipal, 2002; Pelo Mundo em Pedaços Sem Partido, Viana do Castelo, CER, 2002; Quando os Longes e o Perto se Emesmaram, Viana do Castelo, CER, 2003; poemas Variação sobre um Velho Tema e Bom Jesus do Monte, musicados por J. Santos para Barítono e Órgão, Braga, 2003; Entre o Focar e o Disparar da Olympus, Viana do Castelo, CER, 2004; Acro-Ontobibliografia “in Memoriam” João Cabral de Melo Neto, Braga, Ed. Humanitas, 2004; Vila de Punhe de Ontem e de Hoje, Vila de Punhe, Ed. Junta de Freguesia, 2004; Poética em Razão Crítica, Viana do Castelo, CER, 2005; Sem as “Madeleines” de Proust, Viana do Castelo, CER, 2005; Resalutationis Carmen (ode sáfica in honorem Prof Costa Ramalho), Braga, Barbosa e Xavier, 2006; Pré-Cardápio Poetogastronómico Altominhoto, Viana do Castelo, CER, 2006; No Espólio de Juvenal e Noutros, Viana do Castelo, CER, 2006.´ (Adaptado dos textos das badanas dos livros No Espólio de Juvenal e Noutros e Antologia Poética de Castro Gil )"
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972-9397-49-X

Prefácio:

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Prefácio

(…)
O livro, que hoje tenho a honra de apresentar ao vasto público de língua portuguesa, intitula-se No Espólio de Juvenal e Noutros; e será publicado pelo Centro de Estudos Regionais (Viana do Castelo, 2006). Nele, inicialmente, impõe-se a exegese do título, que a muitos pode parecer estranho. Por que Juvenal? Por que Espólio? Como poeta latino, Juvenal ficou famoso como autor de sátiras em que recrimina os vícios de sua época. Assim, do ponto de vista da literatura comparada, Castro Gil se insere como herdeiro (espólio) do gênero cultivado pelo poeta Juvenal, construindo uma poesia de cunho essencialmente satírico. Ao acaso, citamos, como exemplo, os seguintes textos transcritos do grupo de sátiras que integram a primeira parte do livro: A santa Esquerda; Presidências abertas; Desabafando; Prémios; Os ridículos; e Língua travada. Acima, escrevemos “grupo de sátiras”, na linha de Juvenal, pois os textos, em forma poética, foram escritos para ridicularizar defeitos ou mesmo vícios, em termos de censura ou crítica social, jocosa e picante, numa espécie de poética da denotação e não da conotação. Ele próprio transcreve, como epígrafes de “No espólio de Juvenal”, versos do poeta latino, assim terminando a segunda estrofe transcrita; “Se falta engenho, a indignação ajude/À crítica nos versas ser virtude”. E satiriza, em todos os poemas, várias ideologias políticas, as presidências abertos, desabafando sempre, condenando premiações sem mérito, ridicularizando os discursos político-demagógicos, destravando a língua:

“Poetas, travar a língua e não romper cadernos!
Se é lamentável ir por excessos modernos…”

Quanto à técnica do verso, as sátiras, nessa primeira parte do livro
(No Espólio de Juvenal), apresentam a forma do soneto inglês e não a do soneto italiano. Com efeito, o soneto inglês compõe-se de três quartetos e de um dístico final. Assim: abab/cdcd/efef/gg. Sirva de exemplo a sátira do primeiro poema intitulado “Não voltes, Pedro”. Veja-se:

Pedro Homem de Meio, se voltasses cá,
Verias novos rostos a lavar no rio
Cestos de roupa suja enquanto um fungagá
Acompanha as comadres entre geada e frio.

Dantes os lavadouros não sentiam mínguas
De ensaboadelas, de batida e esfregação
Que branqueavam peças e adestravam línguas
Na tarefa contrária dessa branqueação.

Hoje as máquinas creram aliviar fadigas,
Mas não tiraram vez às outras tarefeiras.
Basta haver eleições — e tu, ó Zé, que o digas —
Para repetição de práticas ronceiras.

Gente que agora lava, nunca a cantarias…
Não voltes, Pedro! Guarda as tuas melodias!

São, como se vê, três quartetos e um dístico final. Esquema de rimas:
abab/cdcd/efef/gg.

Observe-se que a rima, no primeiro quarteto, do primeiro verso com o terceiro, é coliterada, ou seja, de consoante surda com consoante sonora: cá rima com fungagá, consoante /k/-surda- com a consoante /g/-sonora.

A segunda parte do livro vai ser ocupada, também, com sonetos de igual estrutura métrica, em relação à primeira parte. Intitula-se “Noutros” ou seja, noutros espólios, já que aqui as sátiras poemáticas se constroem na linhagem herdada de Paul Claudel (Sobe ao campanário de tua aldeia e olha,/a partir daí, o mundo), de Kant (O respeito é um tributo que se paga/ao mérito), de Paul Élouard (O poeta é o que se dá a ver) e de Walter Pater (All art constantly aspire towards / the condition of music), pois tais são as epígrafes de A Flauta de Pã, subtítalo da segunda parte. Os versos são dodecassílabos, como na primeira parte, mas não necessariamente alexandrinos, como nos mostra a ligação livre dos hemistíquios. Os poemas são, em geral, de homenagem póstuma e um deles assume outra forma métrica: quartetos apenas, como em ”Reinado Vianês”. Para Castro Gil, em alguns significativos momentos, vê-se que a poesia é pura visão, como neste soneto:

O Cedro Real

Frente ao meu gabinete cresce um cedro real.
Chamo-lhe assim pelo elegante e nobre porte.
Erecto, enrama em taças de um verde cidral
De gomos geométricos de ímpar recorte.

À noite, ao terminar a hora de completas,
O cedro alto e fidalgo esperta-me visões:
Julgo Euclides em cálculos a impor-lhe metas
E a confirmar se não agride as proporções.

Os ramos dão-me prazer sumo ao contemplá-los:
Divergem matemáticos em torno ao fuste,
De modo que os de cima ocupem intervalos
Que os de baixo deixaram para outro ajuste.

Belíssimo este cedro de ascendências reais…
Mas quem o programou deve ser muito mais!

Como se vê, trata-se de uma linguagem poética contida, às vezes enigmática e sempre avessa a qualquer retórica discursiva. Poesia como visão ou contemplação da beleza eterna, como no soneto “A minha lua”.

O Brasil está presente em “Revindicta do Planalto”. No último agrupamento de poemas aparecem “Personagens típicas de Vila de Punhe” relembram-se Tolstoi e Picasso nas epígrafes iniciais:

“Se queres ser universal,
escreve sobre tua aldeia.”
Tolstoi

“É preciso muito tempo
para que alguém se torne jovem”
Picasso

E surgem, em forma poemática, as personagens rústicas e populares;
”O Chico Vila Fria” , “O tio Manuel Farofa” , “O tio António Belicha”, “A tia
Engrácia Caixeira” e “O Tone Teclo”. As estrofes, em todos os poemas, são constituídas de versos de redondilha maior, os mais populares e espontâneos em língua portuguesa. Mestre João Ribeiro costumava dizer que, em nossa língua, até desaforos são ditos em versos de redondilha.

No caso, a métrica se ajusta à temática. “Pinta a tua aldeia e serás universal’, como queria Tolstoi. São tipos populares e regionais, cantados no suave baloiço dos versos de sete sílabas métricas.

Como exemplo, no texto intitulado “A tia Engrácia”, veja-se o elogio feito em versos de redondilha maior a uma mestra-escola não diplomada, envolvendo oportuna crítica ao ensino de nossos dias:

Hoje abundam pedagogos,
E à gente parece até
Que subiu tanto a didáctica
Que ao nosso ensino, na prática,
Sobra o como e falta o quê.

A última estrofe, enfim, sintetiza a crítica feita ao ensino contemporâneo:

Mas este Estado de estados
Não leva a lugar nenhum.
Há legalismos a mais;
Menos saberes reais
E pouco senso comum!

Em suma, Castro Gil é um poeta dono do seu próprio estilo, pois estamos diante de uma poesia individualizado e não de escolas literárias tradicionais ou modernas. Poesia talvez estranha para alguns leitores, pois ele constrói o seu próprio espaço de criação literária, compondo numa linguagem poética própria, contida e densa. Versos por vezes ásperos e satíricos de quem tem contas a ajustar. Por isso mesmo, tornou-se senhor absoluto de sua própria linguagem, não raro cortante. Vem daí a força de seu lirismo anti-derramado, por ser uma construção muitas vezes seca e objetiva. Cada poema seu, no fundo, é uma espécie de lâmina afiada, por ser satírica. E sua poesia tem “sangue eterno”, como diria a nossa Cecília Meireles, tão admirada em Portugal.

Leodegário A. de Azevedo Filho
(Professor emérito da UERJ, Titular da UFRJ e
Presidente da Academia Brasileira de Filologia)

Excertos

CIRCO MODERNO

O circo abriu as portas e houve muitas palmas
Entre artistas postados na segunda ordem.
Mas quando se esperava por palavras calmas,
Mais bloquelhos proferem só das que mais mordem.

Em parte, um caso assim lembra-me os ambulantes
Aonde ia em criança palas palhaçadas.
Mas este é respeitável muito mais, e dantes
Contou gente de estofo e cordura afamadas.

Hoje é como se vê: o brio não se nutre.
Representações há tão-só de propaganda,
Como a recomendar a pátria a qualquer Futre
Que apareça de barco cá por esta banda.

Circo anarca que números tais apresenta,
Se não tem mais programa, arranje outra sebenta!

Em 18 de Setembro de 2004

O RISO AQUÉM DO SISO

”Le rire” é um ensaio curto de Bergson,
Mas bem de fundamento e sistematizado.
Li-o quando filósofo de estudo e acção
E em artigos durante ou o curso acabado.

Fiquei com a convicção de que os risos de acaso,
De desculpa, ironia e complexos de Freud
São vãs caricaturas de psíquico atraso
E oportunas políticas de celulóide.

Há chefes e ministros e gestores tais
Que, se o riso fosse euro no Banco Europeu,
Nosso Banco Central teria capitais
Para ser o Wall Street de quem tudo descreu.

Quando o riso disfarça inação e encarte,
È tempo de mandá-lo inteiro àquela parte…

Em 22 de Setembro de 2005

O CHICO VILA FRIA

O Francisco Vila Fria
Na rua Matias Santos
Tinha a sua habitação,
Mesmo quando Balaão
Nas Neves, no Auto, entre tantos.

Muitas vezes de rei turco
Eu lhe vi o espadeirão
Que não sem garbo brandia,
Porque o Chico Vila Fria
Actuava com convicção.

Este Auto da Floripes
Quintas Neves recolhera
Do folclore, reordenando
As partes e concertando
O que ele lhe oferecera.

A tradição o reteve
Secular, por via oral.
Feita a intervenção depois,
Logo em cinquenta e dois
Veio a edição integral.

(…)

Mas o Chico Vila Fria,
Além de actor bom nas Festas,
Tinha artes repentistas
E, sem ser por dar nas vistas
Improvisava com estas.

(…)

Vivia da agricultura
E atendia aos seus senões.
Agora o campo anda à sorte:
O Estado vive em desnorte
enleado de importações.

(…)

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